136 anos depois: reflexões sobre o 13 de maio

janaína nascimento

Por Janaína Nascimento

Janaína Nascimento é moradora de Duque de Caxias no Rio de Janeiro , escritora,  articuladora cultural, pedagoga, professora (SME-Duque de Caxias e SME São João de Meriti), Especialista em Ensino de História da África, Mestranda em Relações Étnico-Raciais (Cefet/RJ), onde pesquisa sobre ‘Literatura e Pertencimento: Trajetórias de escritores negros e escritoras negras nos subúrbios do Rio de Janeiro”. 

É membra  do Mutirão Cultural Rolé Literário,  organizadora do Sarau Vingando Ismênia, um sarau com protagonismo  negro feminino.  É coautora em dez  coletâneas, incluindo o livro recém lançado Encruzilhadas Suburbanas,  e a edição 45 da antologia Cadernos Negros (2024). É coorganizadora de duas obras e  autora do livro de contos Águas que passam não voltam (2022).

136 anos depois: reflexões sobre o 13 de maio

“Será que já raiou a liberdade

Ou se foi tudo ilusão

Será, que a lei Áurea tão sonhada

Há tanto tempo assinada

Não foi o fim da escravidão

Hoje dentro da realidade, onde está a liberdade

Onde está que ninguém viu…”

Começo esta reflexão, neste 13 de maio, com um fragmento do samba da Estação Primeira de Mangueira do ano de 1988, que marcou a minha infância: "Cem anos de liberdade, realidade é ilusão".

Num tempo em que professores reproduziram em sala de aula que éramos descendentes de “escravos” e éramos expostos a muitas imagens de Debret e Rugendas, que ratificavam a reprodução massificada sobre a falta de agência e subserviência das populações africanas escravizadas. 

As escolas de samba nos entregavam para além do entretenimento, muito conhecimento com enredos que contavam uma história que não aprendíamos sentados nos bancos escolares, ao contrário, traziam uma narrativa contra-colonial, contra-hegemônica muito diferente daquelas as quais éramos submetidos em espaços da educação formal.

A escola nos fornecia o acesso a uma  história contada pelo viés do colonizador, que começava a partir da diáspora africana , como se nossos antepassados não tivessem uma trajetória, saberes e  vitórias antes do sequestro, seguido da travessia forçada pelo atlântico. 

Mesmo com as voltas ao redor da árvore do esquecimento, após o batismo, usurpação do próprio nome, da separação da família e da imposição do idioma do colonizador, a cultura e os conhecimentos foram trocados e perpetuados, inclusive , pelas pessoas mais jovens  a partir de seus fragmentos de memória, sobrevivendo à travessia da kalunga e à barbárie instaurada.

Durante muito tempo também nos foi vendida a ideia de que a princesa Isabel era uma grande heroína, a redentora que eliminou escravidão do Brasil, ignorando as revoltas, lutas, estratégias, rearranjos e  acordos estabelecidos ao longo dos séculos de escravidão.

Em meio a falta de ações afirmativas para nossa população, criminalização da nossa cultura, altos índices de casos de intolerância religiosa, falta de acesso a direitos básicos, que culminaram em um abismo social para os afrodescendentes,  tentaram nos empurrar goela abaixo, que o 13 de maio era uma data festiva , de celebração.

136 anos se passaram e será que temos motivos para comemorar? Seguimos sendo açoitados pelas instituições e pela elite do atraso que morre de saudades dos tempos da senzala.

A “casa grande” segue exterminando , abandonando e restringindo o acesso a direitos básicos e a políticas públicas que favorecem a transformação em uma sociedade onde se possa vivenciar a equidade.

As lutas dos movimentos negros resultaram na implementação da Lei 10.639/03, alterada pela Lei 11.645/08,  que foi criada com o intuito de  estabelecer o ensino obrigatório da história e cultura afro-brasileira e africana, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. Em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.

Com a Lei 10.639/03 também foi instituído o dia Nacional da Consciência Negra – 20 de novembro – em homenagem ao dia da morte do líder quilombola  Zumbi dos Palmares. Uma data que também nos rememora o esforço coletivo de luta contra a escravidão e  de reflexão sobre o racismo, sobre promoção de  ideias para direitos e integração da população negra na sociedade, em detrimento às históricas exclusões e desigualdades sociais. O 20 de novembro, nesse sentido, é um dia de conscientização e reflexão.

Como educadora antirracista, que atua no chão da escola pública, e  não trata das questões étnico-raciais apenas no mês de novembro e sim diariamente, ao longo de todo o  ano letivo, ressignifico o 13 de maio, mostrando que a liberdade tão sonhada não veio a partir das mãos imperialistas da princesa Isabel.

A abolição  não foi concedida e sim conquistada pelos verdadeiros heróis e heroínas desse processo que não se inicia e tampouco se encerra no 13 de maio, é de extrema importância ressaltar o protagonismo negro nesse  doloroso processo.

É necessário nos apropriarmos dessa data, contarmos as histórias dos nossos antepassados não no lugar de objetos de pesquisa e sim a partir das nossas próprias narrativas, nos reafirmando nesse caminho que um dia, nos levará a tão sonhada liberdade.

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