Entrevista com Rafael Parente – Políticas de Educação no Brasil​

Entrevista com Rafael Parente - Políticas de Educação no Brasil

Desigualdade, novo ensino médio, politização dos debates e o lugar das organizações do terceiro setor na promoção de políticas públicas

Nesta entrevista exclusiva, exploramos a trajetória e as perspectivas de Rafael Parente sobre a implementação de políticas públicas educacionais com base em evidências técnicas e sobre a relação entre organizações do terceiro setor, sociedade civil organizada, partidos e governos. Ele é professor, PhD em Educação pela Universidade de Nova York, e, hoje, é Diretor Executivo do Instituto Salto.

A seguir, destacamos alguns momentos que dão o tom da participação de Rafael Parente no QTRcast:

Inicialmente, Rafael conta um pouco sobre como foi iniciar a trajetória profissional na educação e as dificuldades sobre trilhar esse caminho. O professor menciona como fatores a desvalorização, pouco retorno salarial, baixo reconhecimento por parte dos governantes e da sociedade como um todo.  

A minha mãe é uma professora maravilhosa, minha mãe. Amo demais uma pessoa incrível, sempre foi uma mulher, uma profissional, uma mãe maravilhosa, mas ela super me desestimulou a ir para a área da educação, inclusive. Quando eu estava fazendo doutorado, já no PhD lá na universidade de Nova Iorque, ela falava, meu filho, você é tão inteligente. Você tem certeza que é isso mesmo?

Por que não escalamos boas políticas públicas?

Rafael Parente conta ainda que trabalhar com crianças em situação de vulnerabilidade social foi decisivo para que permanecesse na educação.

Ao longo da conversa, Parente menciona o trabalho desenvolvido no Instituto Salto e o porquê do Brasil, um país que apesar de ter boas iniciativas, não consegue escalar políticas públicas. Ele menciona que o planejamento é fundamental para esse processo:

[A educação] Ela podia mudar a vida das pessoas… é uma forma de mudar essa realidade muito desigual do nosso país.

Rafael Parente

Na maior parte do tempo, a gente não é bom, não é muito bom no planejamento e a gente também não é muito bom na execução. Quando é uma execução, é um planejamento para a execução em escala. Quando a gente vai implementar políticas públicas em escala. Quanto maior a escala, se for uma escala nacional, maior vai ser o desafio de implementação. Isso é. É um fato, então, por exemplo, nos últimos anos a gente tentou implementar o novo ensino médio. É a base, é o PNAE. E se a gente viu que a alfabetização estava funcionando no Ceará, por que não vamos tentar fazer um programa nacional de alfabetização?

Desenho de políticas educacionais e críticas ideológicas

Um dos grandes debates enfrentados no Brasil se constitui nas mudanças promovidas através do “Novo Ensino Médio”. O especialista acaba por trazer uma perspectiva de que devemos melhorar aquilo que é público, para pessoas em situação de vulnerabilidade social, afim, de equilibrar uma balança que é desproporcional, os ricos que continuam tendo as melhores oportunidades, e os mais vulneráveis sem as mesmas condições para capacitação e posterior competição, como vemos no trecho a seguir:

Rafael Parente: A gente tentou fazer programas nacionais de integração de tecnologia. A gente fez o Mais Educação. Foram várias políticas com ideias muito boas. Mas com problemas muito sérios de implementação… E aí vem um problema aqui. Muita gente começa a criticar: “é aquela política”, como se o problema fosse a política em si. E ok que a política pode ter um problema ou outro de desenho e a gente pode discutir. Inclusive, a gente precisa discutir também os desenhos da política, mas a gente não pode simplesmente falar que não vamos fazer nenhuma transformação. [Não podemos falar que] Vamos jogar tudo fora e vamos simplesmente ficar com o que a gente já tem, porque o que a gente já tem não funciona. A gente sabe disso.

Rafael Parente: A gente precisa ter um ensino médio melhor, a gente precisa avançar com relação a uma série de coisas na nossa educação. Entretanto, muitas vezes vêm essas discussões ideológicas e atrapalham no avanço técnico baseado em evidências científicas. E aí isso faz com que a gente continue tendo uma educação de pior qualidade para as nossas crianças mais carentes. Porque enquanto isso, as crianças mais ricas estão tendo as melhores oportunidades educacionais e continuam reproduzindo a riqueza, o ciclo de riqueza no nosso país. E desculpa se eu falo um pouco mais agitado, mas eu fico bravo com essas coisas, sabe?

Cabe ressaltar a fala do especialista na utilização do modelo científico, em especial a ciência de dados para o embasamento de propostas que tenham como objetivo criar equidade, melhores políticas públicas, e por fim, escalar. Com isso, deixando de lado lutas ideológicas e político-partidárias, utilizando dados para desenvolvimento assertivo de ações:

Se nós acreditamos na ciência, então vamos praticar a ciência. Vamos ser menos ideológicos, no sentido de ser a favor de uma ideia que a gente postula, e vamos implementar, na educação, as políticas que têm evidências científicas que a ciência está mostrando para a gente que funciona. (…) A gente precisa saber o currículo. A gente precisa ter um ensino médio que seja mais conectado com o mundo. (…) A gente já tem um currículo que é o quê? É o ENEM. E por que que eu estou falando isso? Porque eu acho que, historicamente, no nosso país, a gente tem impregnadas no desenvolvimento educacional essas lutas ideológicas, que vêm também influenciadas pelas lutas político-partidárias. E isso faz com que a gente tenha uma perda gigantesca das discussões técnicas que deveriam ser uma prioridade. (…) Eu acho que a gente precisa despolitizar mais as discussões educacionais no sentido de que se a gente reclamou no passado, que nós precisamos ser científicos, nós precisamos acreditar na ciência. Nós precisamos, então, nas falas do Paulo Freire, ser coerentes e a nossa prática precisa se aproximar da nossa fala. – afirma Rafael Parente

O Novo Ensino Médio e as necessidades de melhorias

Vivi: Sobre o Novo Ensino Médio, o que é que poderia ter sido feito de uma forma melhor para que realmente houvesse uma mudança? Quais foram os erros e acertos na sua visão?

Rafael Parente: É, eu acho que o erro principal foi de fato, a falta de discussão, e é uma coisa muito atropelada, muito naquela coisa, assim também relacionada a quem estava no governo, a quem estava querendo fazer as coisas acontecerem. Então assim, existia um contexto todo sócio-histórico naquele momento do tipo “não precisamos fazer nada democrático nesse momento, vamos fazer da forma que a gente quiser e acabou”, né? E não devia ter sido daquela forma e tanto é que deu no que deu. O resultado que a gente está vendo hoje é um pouco o resultado do processo.

Rafael Parente: Agora, a ideia de você ter mais tempo de você ter mais flexibilidade de você trazer um pouco mais a experiência de aproximação do estudo, do abstrato, do conhecimento para o concreto do mundo real, é relevante. Porque é sempre aquilo: “Pra que que eu vou aprender uma fórmula de Bhaskara? Pra que que eu estou aprendendo isso hoje? Por que que eu estou decorando esse tanto de coisa? Pra que que eu tô vindo pra escola, né?”

Rafael Parente: São perguntas assim. Se a gente olha para a ciência – e eu vou trazer sempre isso – uma das principais causas ou é a primeira ou é a segunda nas pesquisas da evasão dos jovens, das escolas é que eles não veem sentido na escola. Eles não gostam da escola, do jeito que ela é. Eles não entendem a relevância, a importância da escola, ou seja, a escola precisa se ressignificar. Ela precisa se reinventar. Ela precisa ter sentido, sabe? (…) A gente vê o tédio na cara dos alunos. Ninguém está gostando do jeito que está. Então assim, por que é que a gente quer manter uma coisa que não funciona de novo?

Rafael Parente: A ideia era boa a meu ver. A ideia era: vamos aumentar o tempo? Vamos conectar um pouco mais a escola ao mundo do trabalho, ao concreto, à aplicabilidade e dar um pouco mais de protagonismo para o jovem, deixar ele escolher um pouco mais o que é que ele quer?

A atuação do Instituto Salto

Hoje diretor executivo do Instituto Salto, o professor aprofunda o debate explicando de forma minuciosa as áreas de atuação da instituição

Rafael Parente: A gente decidiu focar nessa questão da do ganho de escala, porque, se a gente observar historicamente o nosso país, a gente vê que a gente tem boas ideias. (…) O site traz 2 ferramentas que foram criadas sobre essa rede de laboratórios. E a gente tem uma série de recomendações sobre grande escala. Só que a gente tem projetos também no instituto Salto, então tem um projeto que a gente está fazendo que está relacionado ao mapeamento e tentar encontrar redes que estão fazendo excelente trabalho com a tecnologia para tentar mapear boas políticas com tecnologias. 

A gente, vai ter 5G nas escolas, mas e aí? Como é que faz para que não seja um dinheiro absurdo gasto em vão? Como é que a gente faz para que a gente tenha boas políticas de integração tecnológica sendo implementadas nas nossas escolas e trabalhando para ter uma educação mais inclusiva, por exemplo? 

Rafael Parente

Rafael Parente: [O Instituto Salto] Tem um outro projeto que está relacionado à formação de lideranças. Então, a gente precisa ter secretários de educação que tenham conhecimento aprofundado sobre educação, sobre gestão. E aí é muito bacana, porque a gente faz uma formação que é baseada em competências, que é personalizada para para as dificuldades de cada um. A gente tem, inclusive, trabalhado agora com inteligência artificial para fazer um diagnóstico das forças e fraquezas de cada um para conseguir criar uma trilha formativa e para criar um banco de atividades que o secretário vai fazer. (…) Tem o de coordenadores pedagógicos, que é muito bacana também, que está relacionado a uma política de formação de coordenadores pedagógicos.

Rafael Parente: A gente fez um trabalho de escolas vocacionadas no Rio de Janeiro, então a gente tem uma que é sobre a criação de uma rede de escolas vocacionadas para artes e para a STEM. (…) Porque no final das contas, as pesquisas científicas têm falado pra gente que quanto mais artes integradas no currículo, com outras matérias, mais as crianças jovens estão aprendendo as outras matérias?

A arte tá ajudando as crianças jovens a aprender mais matemática, mais linguagem, mais ciências, né? A arte está ajudando a aprender tudo, então isso também é muito bacana.

Aqui, deixamos apenas alguns trechos desse bate-papo honesto e repleto de perguntas difíceis. Vale a pena ouvir a entrevista completa com Rafael Parente. Confira!

Quer ouvir a entrevista na íntegra? Disponível no Spotify.

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