Renata Souza
Cria da favela da Maré, feminista negra, jornalista, doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ, Renata Souza é deputada estadual (PSOL-RJ), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, da CPI do Reconhecimento Fotográfico e da Frente de Enfrentamento à Fome da Alerj.
Representatividade é coisa séria
Triste da sociedade que torna ainda tão candente a tarefa de aproveitar a única efeméride feminista do mundo — o 8 de Março — para falar sobre algo tão básico como o direito das mulheres à vida. Escrever sobre esse tema no Brasil de 2024 nos obriga a encarar que o nosso país ocupa a quinta posição no ranking mundial da taxa de feminicídios.
E, mesmo após uma redução de 10% em relação a 2022, o Estado do Rio de Janeiro ainda se localiza no quarto lugar do ranking nacional dos feminicídios, a se considerar os 99 assassinatos de mulheres em 2023 por companheiros ou ex, 61,1% delas negras.
Esses dados, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, dizem de uma realidade em que homens consideram mulheres como propriedade sua, viva ou morta.
Nas circunstâncias acima, trata-se de um grande desafio ser uma das 15 mulheres e, entre estas, uma das cinco mulheres negras, entre os 70 deputados estaduais eleitos do Rio de Janeiro.
Atuar como presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Mulheres da Assembleia Legislativa tem representado, então, um desafio ainda maior. Não estamos, afinal, na institucionalidade da política apenas para demarcar posição.
Ocupamos esses espaços com o propósito de contribuir efetivamente para a produção de mudanças na vida das pessoas, especialmente na vida das mulheres negras.
Foi com essa perspectiva que conquistamos a Presidência da Comissão da Mulher, há um ano. Logo de início, reivindicamos a criação da Sala Lilás, primeiro espaço no Legislativo estadual para o atendimento exclusivo de mulheres e instalamos o SOS Mulher, linha de atendimento por telefone. Tais equipamentos têm permitido o acolhimento, a escuta, o encaminhamento e acompanhamento multidisciplinar das demandas de cerca de 200 vítimas de violência física e/ou psicológica, de assédio sexual e/ ou moral, e de ameaças, assim como de parentes de vítimas de feminicídio.
A participação ativa de mulheres negras nas políticas públicas
O olhar sobre os casos, 69,5% relacionados a mulheres negras, as audiências públicas e as visitas a maternidades, cárceres e delegacias de Polícia nos tem permitido um melhor diagnóstico e a fiscalização das políticas públicas para mulheres no nosso estado, assim como tem possibilitado a elaboração com mais qualidade de projetos de lei e de outras iniciativas legislativas de defesa dos direitos das mulheres. Nas audiências públicas, ouvimos, por exemplo, além das autoridades, os movimentos organizados de mulheres nas lutas contra os feminicídios; no combate às desigualdades de gênero no mundo do trabalho; pela dignidade menstrual; contra a violência obstétrica; entre outros.
Com a Sala Lilás, tem sido possível avançar no sentido não apenas do impacto na vida do público diretamente atendido, mas, sobretudo, no debate popular e na compreensão dos limites e das contradições existentes nas atuais políticas estaduais para mulheres.
As políticas públicas devem ser aprimoradas
Parece bastante grave a distância entre a propaganda oficial do governo e a qualidade das políticas públicas. Há precariedade nas instalações e no funcionamento dos equipamentos públicos. Falta formação adequada para o acolhimento das mulheres até mesmo nas Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, onde a maioria nas equipes é masculina. São recorrentes as queixas relacionadas a situações de revitimização nas unidades policiais e em outras instituições públicas.
Há ingredientes agravantes da violência de gênero, como a recente pandemia de Covid-19 e uma crise econômica desde então não superada plenamente, mas há fatores de produção da violência de gênero que são históricos e estruturais, como a própria lógica do heteropatriarcado branco colonial ainda arraigada e na direção desta sociedade brasileira.
Muitas mulheres lutaram nos últimos séculos para que agora aceitemos nos sujeitar a toda e qualquer forma de violência de gênero. Este ano, temos portanto um desafio duplo: ampliar a nossa representatividade e impedir que projetos misóginos ocupem espaços de poder.
O nosso voto pode vir a fazer bastante diferença na forma como nós mulheres vivemos e no fortalecimento da possibilidade de continuarmos a viver e a ser livres para viver conforme as nossas escolhas.
Precisamos de mais mulheres na política que sejam comprometidas com o fim da violência de gênero, de raça, classe e território. Representatividade é coisa séria.
A missão da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da ALERJ é lutar contra a desigualdade de gênero e prestar apoio, acolhimento e orientação sobre direitos das mulheres. A Comissão busca enfrentar o machismo, o sexismo, o racismo e a LBTIfobia que impactam na vida e na saúde das mulheres.
A Comissão conta com a “sala lilás”, sala 2320 na ALERJ, para atendimento qualificado às mulheres vítimas das diversas formas de violência, e o SOS Mulher, que atende pelo número: 0800-282-0119