População em situação de rua cresceu 10 vezes em 10 anos

Álvaro Rossi - colunista - Homem branco com barba e cabelos castanhos

Álvaro Rossi

Álvaro Rossi é um gestor público com paixão por mobilidade social e projetos de grande impacto. É formado em Economia por Columbia, Mestre em Políticas Públicas por Oxford, e tem passagem por consultorias estratégicas nos Estados Unidos e América Latina. Ele atualmente está como Assessor Especial na Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro. Álvaro faz parte da Rede de Líderes da Fundação Lemann.

População em situação de rua no Brasil cresceu 10 vezes em 10 anos:

O que podemos fazer?

A população em situação de rua no Brasil cresceu mais de 10 vezes nos últimos 10 anos. Segundo dados do CadÚnico, o número de pessoas registradas neste estado de vulnerabilidade passou de cerca de 22 mil, em 2013, para mais de 281 mil, em 2023, totalizando, hoje, 1 a cada 1.000 pessoas em situação de rua. Este aumento se deu em razão de uma série de fatores como exclusão econômica, ruptura de vínculos familiares e problemas de saúde.

Características da população brasileira em situação de rua

Quem está em situação de rua tem como característica comum a pobreza extrema e a falta de moradia convencional regular. Segundo o Governo Federal, esta população é majoritariamente masculina, negra e jovem. Em termos percentuais, 87% das pessoas em situação de rua são homens, 69% se identificam como pretos e pardos e 65% estão abaixo dos 39 anos.

Dentre a população jovem, mais de 30.000 – 14% do total – são menores de idade, e estima-se que, em São Paulo, 2 a cada 3 sejam vítimas de trabalho infantil.

Não há nada que gere maior risco à vida do que a ausência de moradia. De acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, pessoas em situação de rua tem 16 vezes mais chances de contrair tuberculose, 8 vezes mais chances de ter HIV e 5 vezes mais chances de ter distúrbios de saúde mental. A expectativa de vida de pessoas nesta condição, quando comparada com a expectativa de vida do brasileiro médio, é reduzida em 30 anos.

O crescimento repentino desta violência no Brasil é indignante. O Brasil, que sempre teve uma taxa de pessoas em situação de rua invejável pelos demais países, está agora no patamar de quem historicamente sofreu com tais problemas, como a Índia. Esta marcha-ré em nossa trajetória demanda uma reflexão urgente sobre os fatores que fazem com que tantas pessoas vivenciem essa situação extrema e sobre as políticas que devem ser implementadas para combater este retrocesso. 

Quais fatores influenciam no aumento do número de pessoas em vulnerabilidade?

A título de contextualização, esta reflexão já está em pauta, em nível federal, desde o ano passado. Em resposta a uma determinação feita pelo Ministro do STF Alexandre de Moraes, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania lançou, em dezembro de 2023, o plano “Ruas Visíveis”, no âmbito do qual serão realizados investimentos de R$ 982 milhões para a implementação de ações sociais e de monitoramento da população em situação de rua.

O plano “Ruas Visíveis” contempla, corretamente, o desafio de forma multisetorial, com eixos que incluem assistência social, habitação, saúde, emprego e renda, produção e gestão de dados, entre outros. O plano é amplo, mas, na prática, os recursos estão distribuídos de maneira desigual – por exemplo, apenas R$ 3,75 milhões foram destinados à habitação.  

A experiência internacional mostra que os melhores resultados para reduzir o número de pessoas em situação de rua são obtidos quando os governos unem uma gestão de saída qualificada da rua com estratégias de prevenção orientadas em torno de saúde pública e apoio a populações em situação de risco. Algumas metodologias de sucesso de saída qualificada são:

  • o housing first – voltado a promoção de moradia subsidiada como o primeiro passo no tratamento
  • public works – voltado a promoção de emprego remunerado em obras e unidades do poder público.

O “Ruas Visíveis”, que tem 82% do seu orçamento destinado a ações assistências, é um excelente primeiro passo, mas precisa ser complementado com ações voltadas para uma saída qualificada da situação de rua.

Dado a natureza urbana deste desafio e considerando que aproximadamente 50% da população em situação de rua brasileira está concentrada em apenas 10 cidades, é urgente que municípios sejam protagonistas na condução destas políticas públicas.

Quais políticas públicas têm sido empregadas nos municípios?

No Brasil, ainda estamos engatinhando em termos de políticas públicas municipais que se encaixam nas melhores práticas internacionais. 

São Paulo, que tem a maior população em situação de rua do Brasil, recentemente lançou o programa “Reencontro”, uma ação multisetorial que conta com iniciativas de housing first (localizados em Auxílio e Vila Reencontro) e public works (Programa Operação Trabalho), em menor escala, já que menos de 10% das pessoas em situação de rua da cidade estão contempladas nestes programas.

Em dezembro de 2023, o Rio de Janeiro lançou um novo programa para pessoas em situação de rua da cidade, intitulado “Seguir Em Frente”. O programa é composto por 5 etapas: 1) Acolhimento, 2) Cuidados de Saúde, 3) Emprego e Renda, 4) Moradia e 5) Seguir em Frente. Eu participei da montagem do programa e sigo presente em sua execução.

No Programa Seguir Em Frente, pessoas em situação de rua acolhidas em abrigos da prefeitura têm direito a atividades ocupacionais remuneradas nos moldes de public works, com cada indivíduo recebendo até 2/3 de um salário-mínimo para executar atividades laborais ou estudos na unidade de acolhimento ou em outras unidades da Prefeitura. A remuneração sobe para um salário-mínimo completo assim que a pessoa conseguir uma moradia fora da unidade de acolhimento, tendo um tempo limite de 4 meses para progredir na próxima fase. Pessoas que não conseguem participam das atividades laborais – por diferentes razões – serão contempladas em programas de moradia da Prefeitura.

Nos primeiros dois meses do programa Seguir Em Frente, mais de 1.000 pessoas (7% do total, segundo o CadÚnico), já participam da iniciativa de public works e cerca de 100 conseguiram moradias permanentes no primeiro mês de implementação do Programa. O objetivo é conseguir chegar a 7.500 pessoas (55% do total, segundo CadÚnico), até o final do ano.

 

Com menos de 60 dias de execução, é cedo para avaliar a eficácia do programa Seguir Em Frente. Porém, devido ao alarmante crescimento de pessoas em situação de rua – a condição mais vulnerável e perigosa na nossa sociedade – é necessário que cada município comece a priorizar este tema em seus programas de governo. 

2024 é ano de eleições municipais. Este é o momento para dar luz a este debate.

  1.  CadÚnico – “O Cadastro Único é um grande mapa das famílias de baixa renda no Brasil. Ele mostra ao governo quem essas famílias são, como elas vivem e do que elas precisam para melhorar suas vidas”. Disponível em: https://www.gov.br/mds/pt-br/acoes-e-programas/cadastro-unico.
  2.  https://www.ipea.gov.br/portal/categorias/45-todas-as-noticias/noticias/13457-populacao-em-situacao-de-rua-supera-281-4-mil-pessoas-no-brasil
  3. https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/populacao-em-situacao-de-rua/publicacoes/relat_pop_rua_digital.pdf
  4. https://livredetrabalhoinfantil.org.br/noticias/reportagens/667-das-criancas-e-adolescentes-em-situacao-de-rua-sao-vitimas-do-trabalho-infantil-em-sao-paulo/
  5. https://prefeitura.rio/saude/programa-seguir-em-frente-rio-anuncia-plano-de-assistencia-para-pessoas-em-situacao-de-rua/
  6. https://www.uol.com.br/vivabem/reportagens-especiais/medicina-de-rua/#page3
  7. Goel, Geetika, et al. “Urban Homeless Shelters in India: Miseries untold and promises unmet.” Cities, vol. 71, Nov. 2017, pp. 88–96, https://doi.org/10.1016/j.cities.2017.07.006.
  8. https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/12/11/ministerio-apresenta-plano-para-populacao-em-situacao-de-rua-veja-pontos.ghtml
  9. https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2023/dezembro/governo-federal-lanca-201cplano-ruas-visiveis-pelo-direito-ao-futuro-da-populacao-em-situacao-de-rua201d-com-investimento-de-cerca-de-r-1-bilhao/copy2_of_V3_plano_acoes_populacao_de_rua1.pdf
  10. Nourazari, Sara, et al. “Making the case for proactive strategies to alleviate homelessness: A systems approach.” International Journal of Environmental Research and Public Health, vol. 18, no. 2, 10 Jan. 2021, p. 526, https://doi.org/10.3390/ijerph18020526.
  11. https://documents1.worldbank.org/curated/en/099531206062341552/pdf/IDU00fb5fa420c9af04f5d0b7fd0809361fc027d.pdf
  12. https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/populacao-em-situacao-de-rua/publicacoes/relat_pop_rua_digital.pdf
  13. https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/governo/secretaria_executiva_de_projetos_estrategicos/programa_reencontro/index.php?p=341748
  14. https://prefeitura.rio/saude/programa-seguir-em-frente-rio-anuncia-plano-de-assistencia-para-pessoas-em-situacao-de-rua/
  15. https://leismunicipais.com.br/a/rj/r/rio-de-janeiro/decreto/2024/5390/53893/decreto-n-53893-2024-normatiza-o-programa-de-bolsas-de-apoio-a-ressocializacao-aos-pacientes-idosos-de-longa-permanencia-e-as-pessoas-em-situacao-de-rua-na-cidade-do-rio-de-janeiro-que-estejam-acompanhadas-pelas-acoes-do-programa-seguir-em-frente

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1 comentário em “População em situação de rua cresceu 10 vezes em 10 anos”

  1. María de Fátima Souza de Freitas Santos

    Parabéns a Quem te Representa por mais um excelente colunista e pelo tema apresentado.
    Parabéns Álvaro Rossi pela apresentação do tema e pelos dados numéricos apresentados. O programa Seguirem Frente é ótimo e com certeza alcançara sucesso, pois está muito bem planejado.
    Divulguei a Coluna pra um grupo de Amigas que realizam trabalhos em Salvador com
    Moradores de Rua.

Comentários encerrados.

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