Antônio Mariano
Antônio Mariano é Doutor em Política pela FGV/CPDOC, Mestre em Administração Pública pela FGV/EBAPE e atual Subsecretário de Assuntos Estratégicos da Secretaria Municipal da Casa Civil do Rio de Janeiro.
Nem um, nem outro: todos nós
Há mais de uma década semeia-se a ideia de “mandatos coletivos” na política brasileira. Conforme informações apuradas pelo Centro de Política e Economia do Setor Público da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, em 2012 foram registradas três candidaturas coletivas. Esse número experimentou um aumento expressivo em 2016, ultrapassando a marca de treze.
Já quatro anos depois, houve um notável crescimento de 1876%, totalizando 257 candidaturas desse formato. Dentre essas, 99 foram associadas ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), 51 ao Partido dos Trabalhadores (PT), 23 ao Partido Comunista do Brasil (PC do B) e 11 ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), destacando a prevalência dessa abordagem nos partidos de orientação política à esquerda. O Democratas (DEM), representante do espectro ideológico do centro à direita, apresentou o menor número, totalizando apenas seis candidaturas em todo o território brasileiro.
Mandatos coletivos no Legislativo
Atualmente, não há disposições específicas no ordenamento jurídico brasileiro que regulem candidaturas e mandatos coletivos. No entanto, na cidade de São Paulo, em 2020, duas dessas candidaturas foram eleitas pela primeira vez para a Câmara Municipal. A “Silvia, da Bancada Feminista” conquistou 46.267 votos, enquanto “Elaine, do Quilombo Periférico” recebeu 22.742 votos, ambas representando o PSOL.
No Rio de Janeiro, até o momento, não foram eleitos coletivos, e, por falta de reconhecimento jurídico oficial, apenas uma pessoa dentro do coletivo é considerada detentora do mandato, enquanto os demais membros geralmente são nomeados como assessores no gabinete parlamentar. A distribuição de poder pode variar entre os grupos, baseando-se na confiança mútua.
Na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), em 2018, a “Mandata Ativista” foi eleita, composta por sete “codeputados”, sendo Monica Seixas, do PSOL, a titular, embora alguns membros fossem filiados a outras agremiações partidárias.
É comum na política a presença de "cabos eleitorais" nas equipes, indivíduos com afinidade temática e/ou regional que atuam como catalisadores de votos em seus nichos.
No caso de eleição, esses “cabos eleitorais” frequentemente são integrados ao gabinete parlamentar para dar continuidade ao trabalho político em suas respectivas bases eleitorais. O mandato coletivo pode ser considerado uma evolução dos “cabos eleitorais”, unindo-se em prol de uma causa comum e compartilhando o espaço de poder. No entanto, como mencionado anteriormente, essa é uma experiência ainda em fase inicial, carecendo de avaliações apropriadas sobre o assunto.
O que pouco é difundido sobre os mandatos coletivos é a sua origem, quando o dramaturgo Augusto Boal (1931- 2009) foi eleito vereador no Rio de Janeiro pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Boal foi eleito com bases no Teatro do Oprimido, que datava de 1971 e servia como uma resposta à censura imposta pela ditadura militar, após, em 1992, deparar-se com dificuldades financeiras, decidiu dar um fim à sua companhia teatral colocando-a dentro da arena eleitoral. E, mesmo apostando na derrota, conseguiu a vitória.
Assim, Boal identifica a concepção do Teatro Legislativo como um elemento crucial e fundamental para a existência de seu único mandato como Vereador. Pode-se afirmar que esse mandato foi pioneiro em seu propósito de aproximar o cidadão da experiência legislativa. A partir daí, é possível estabelecer a analogia com os “mandatos coletivos”.
Boal não se encaixava nas características de um político tradicional e, portanto, optou por conduzir não apenas sua campanha eleitoral, mas também seu mandato eletivo com base no que dedicou toda a sua vida: o teatro.
Conforme seu desejo, a intenção era converter o cidadão em Vereador, proporcionando uma compreensão dos mecanismos internos do processo legislativo da Câmara Municipal do Rio. Isso visava criar um sentimento de pertencimento e fomentar um maior engajamento político. Essa abordagem representava uma proposta não convencional em relação à participação e controle cidadão no cenário legislativo brasileiro. Após a representação teatral e a coleta de opiniões dos cidadãos, Boal assegurava que seus assessores, chamados de “coringas”, retornassem ao local para fornecer feedbacks à população que investiu seu tempo na participação das atividades de seu mandato.
Portanto, nessa estruturação, é perceptível uma sinergia entre as atividades externas (teatrais) e internas (legislativas) do mandato de Boal. O teatro servia como uma ferramenta para comunicar à sociedade o que ocorria na Câmara Municipal, abordando temas em discussão, leis em votação e também a maneira de atender aos anseios dos eleitores – ou mesmo daqueles que não o tinham escolhido nas eleições, pois o que importava para ele era a participação cidadã no processo legislativo.
Pode-se afirmar que, à época, Boal era uma figura fora do padrão estabelecido. Distante das características tradicionais dos políticos em destaque, ele expressava sentir essa diferença não apenas nas dependências do plenário da Câmara Municipal, mas também entre seus colaboradores.
O cenário atual para mandatos e candidaturas coletivas
Atualmente, apesar da PEC 379/2017 da Deputada Federal Renata Abreu (PODE/SP) permitir essa nova figura dentro do ordenamento eleitoral brasileiro, a discussão continua incipiente, principalmente se levarmos em consideração dois fatores. O primeiro que a PEC está parada desde 2019 e o segundo, de que ela apenas permite a existência dos mandatos coletivos “na forma da lei”. Ou seja, não há uma regulamentação prevista sobre o funcionamento, na prática de como seria esse mandato.
Este é um tema complexo e pouco explorado, mas que, pelo andar da carruagem, deverá ser intensamente debatido dentro do Congresso Nacional em pouco tempo. As candidaturas coletivas pululam por todo país e este ano, lembremos, é eleitoral, o que poderá servir de indicador para a força deste movimento dentro dos partidos pelo Brasil.