Fred Soares
Fred Soares. Do Rio, do samba e da rua. Jornalista, com passagens pelos jornais Extra, O Globo e O Dia, pela TV Globo e pelas rádios Tupi e Roquette Pinto.
Um entre tantos heróis: Carnaval Carioca e Mestre Candonga
Fiz 50 anos recentemente. Uma vida basicamente construída pelas experiências das ruas e de seus personagens. Aliás, aprendi que as verdadeiras grandes figuras desta nossa cidade do Rio de Janeiro são gente simples, desconhecida de muitos, mas que carrega a relevância e o real substrato que compõem o verdadeiro jeito de ser do carioca.
Ao ser convidado pelo meu camarada Ygor Lioi para escrever para este site, pensei: como posso colaborar com um espaço que se propõe a oferecer conteúdo para ajudar no importante processo de educação política da nossa população? A resposta veio: preciso dar a minha parcela de colaboração para cultuarmos e preservamos a memória de pessoas simples, do povo, que ajudaram a construir a aura do bom carioquismo.
De soslaio, lembro-me de algumas personagens que muitos devem desconhecer: Jaiminho “Papagaio de Pirata”, Tata “Zé das Medalhas”, Profeta Gentileza, Tia Ruth do América… enfim, tanta gente da rua cujas essências ajudaram a criar a verdadeira alma do Rio.
Mas vou me ater a uma personalidade - até em tom de homenagem - que tem intrínseca relação com um elemento vivo da minha terra: o carnaval.
Refiro-me a José Geraldo de Jesus, o mestre Candonga. O homem foi campeão de boxe e segurança do ex-presidente Getúlio Vargas antes de virar uma espécie de guardião dos sambistas na principal pista de desfiles das escolas de samba no carnaval carioca.
Candonga ganhou respeito do povo e das autoridades. No tempo em que nenhum desfile terminava antes das 10h da manhã, era dele a missão de matar a sede dos foliões e dos trabalhadores.
A estes, principalmente, passou a oferecer uma bebida mágica: o cravo escarlate. Uma infusão indígena à base de ervas que permanece sob a terra durante 9 meses antes de poder ser ingerido. Uma bebida que, além de mandar o sono às favas, tem fama de afrodisíaco – afinal, é carnaval.
Tanta identificação com o samba e com o carnaval fez Candonga virar um guardião de um dos símbolos da nossa festa maior: a Chave da Cidade. A partir dos anos 70, coube a ele manter a peça na sua casa durante todo o ano antes de o prefeito passar às mãos do Rei Momo, I e Único na sexta de carnaval.
Candonga morreu em 1997. Era corpulento, grandão. Dava até medo pra quem via de longe. Mas tinha um coração de criança. Acolhia todos à volta. Conheci-o em 1995. Passou a mão na minha cabeça, e disse: “aqui você tá protegido”. Vi que aquele cara era importante.
Prefeitos, governadores e autoridades vinham a seu espaço para lhe beijar a mão. Mas não era isso que o deixava pleno. E, sim, o reconhecimento popular de ritmistas, passistas, mestres-salas, portas-bandeiras e afins.
Sua família manteve seu legado. Lutou para que, institucionalmente, aquele enclave da Marquês de Sapucaí com Rua Salvador de Sá fosse reconhecido como Espaço Candonga, local onde até hoje é estacionado o seu carro, uma Caravan, fabricado ainda nos anos 80 – único veículo particular autorizado a entrar na Sapucaí.
Eu, que fui uma espécie de mascote do velho mestre, num dos anos em que o Município do Rio esteve entregue a um Zero à Esquerda, acabei por receber dos herdeiros de Candonga a Chave da Cidade. Não havia um prefeito para entregá-la ao Rei Momo. Essa honra caiu no meu colo.
Enfim, essas linhas todas vão muito além de uma justa homenagem a Candonga.
São um clamor pra que os doces personagens que ajudaram e ajudam a fazer do Rio esta cidade maravilhosa sejam sempre devidamente reconhecidos e jamais esquecidos.
Num tempo cada vez mais corporativo, midiático e menos romântico, é o pedido que eu faço.
E viva, sempre, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro!
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