A Jornada de Renata Souza: Da Maré ao Poder Político

A Jornada da Deputada Estadual Renata Souza - Atuação na Maré, Representatividade e Políticas Públicas

A QTR teve o prazer de receber Renata Souza, deputada estadual no Rio de Janeiro. Ela compartilha parte de sua trajetória pessoal e profissional, até o momento do seu ingresso na vida política. Renata traz pontos cruciais ao comentar principais desafios da sociedade brasileira.

O começo da vida de Renata Souza

vqq-cdm-site-foto-renata-109

[…] Então, vocês imaginam que eu vivo, que eu cresci e comecei articulando minha vida dentro da Maré. Minha mãe, minha cria da Maré também, ela nasceu aqui no Rio de Janeiro. Meus avós vieram do Espírito Santo. vieram trabalhar no Rio de Janeiro e meu avô foi trabalhar exatamente na construção da Avenida Brasil. E a Maré é beira Avenida Brasil. 

Renata Souza – […] eu nasci na Favela da Maré, que é uma das favelas do estado do Rio de Janeiro, da cidade do Rio de Janeiro. É uma favela que tem 16 comunidades, então é um complexo chamado Complexo de Favelas da Maré e tem 140 mil habitantes. Só para vocês terem uma ideia, se a Maré fosse reconhecida como uma cidade do estado do Rio de Janeiro, ela seria a 21ª cidade entre as 92 cidades mais populosas do estado.  

Renata Souza – Minha mãe conta que muitas das coisas que sobravam das obras da Avenida Brasil eram utilizadas em especial para aterrar a maré, porque a maré, o nome já diz, é água, um terreno, inclusive, da marinha. Então, os primeiros moradores dizem… E as casas iniciais desses primeiros moradores eram casas de palafitas. O que é isso? São aquelas casas que embaixo tem aquele… São casas de madeira. e embaixo tem um patamar de madeira que segura. Então, são várias madeiras dentro da água. 

Renata Souza – Nesse sentido, as casas de palafitas foram as primeiras casas da Maré e, na construção da Avenida Brasil, foi utilizado muito do que sobrava da construção para aterrar a Maré e meu avô dessa história. O meu pai já é… do Complexo do Alemão, que também é uma outra favela grande aqui, na favela Nova Brasília. E ele conta que a chegada…

Renata Souza – Enfim, ele nasceu no Rio de Janeiro, mas o meu avô veio do Rio Grande do Norte. Então, as nossas famílias aqui são bem específicas do que é a migração, do Norte e Nordeste para o Rio de Janeiro, a procura de trabalho. Então, não se diferencia no que é o restante da história do Brasil.. 

[…] em Olaria havia muitas indústrias de couro. Minha mãe trabalhava costurando couro, e meu pai também trabalhava nessa nessa empresa. Eles se conhecem e começam a namorar. Aqui estou, de uma família com mais dois irmãos mais velhos e de outros irmãos que minha mãe criou. Minha mãe,  lá dentro da Amarela, é conhecida como a tia Lita, porque ela criou várias crianças. Minha mãe funcionava meio que como uma mãe , digamos assim, para outras mulheres poderem trabalhar. 

conta Renata Souza na entrevista.

Renata Souza – […] Então, minha mãe é essa mulher. Dos 50 agora, voltou a estudar. Eu estava lendo uma pesquisa bem legal que saiu hoje, apresentando exatamente esses dados das mulheres, 50 a mais, que depois de criados seus filhos, de organizada sua vida, voltam a estudar. Então, minha mãe é essa pessoa, e ela se formou em pedagogia aos 60 anos de idade. Então, é um orgulho para mim. Então, história um pouquinho essa. 

vqq-cdm-site-foto-renata-109

E meu avô, liderança comunitária na Maré, só para vocês terem uma ideia, ele foi um dos fundadores da nossa rua, o nome da minha rua na Maré é Rua São Jorge, porque meu avô era muito devoto de São Jorge, então colocou o nome da rua de São Jorge e batizou a minha mãe de Jorgelita. O apelido dela é Lita, porque vamos lá melhorar um pouquinho o negócio. Mas enfim, eu venho dessa família, dessas famílias muito empobrecidas Da parte da favela, da periferia Que sempre foram muito desassistidas com relação a políticas públicas.

 

Sobre o seu desenvolvimento

Renata Souza – Eu cresci uma criança muito tímida, quase não falava E eu começo a… a despertar, na verdade, em cursos que teve dentro da favela. Eu fiz um curso, uma vez, que era um programa chamado Comunidade Solidária, na época do FHC, em que a Ruth Cardoso, então mulher do FHC, fez um programa enorme chamado Comunidade Solidária e dentro das favelas pagava 50 reais.  

Renata Souza – E eu fiz um curso de teatro, olha que loucura Fiz um curso de teatro só pra ganhar uns 50 reais e eu não sabia nem o que era teatro E aí nunca tinha ido ao teatro, enfim, imagina Mas esse curso mudou a minha vida porque lá eu tinha professora, enfim, de conhecimento gerais e tinha também psicólogo, tinha assistente social. Eu fiz um primeiro teste vocacional ali e começo a me entender como gente na sociedade.

Renata Souza – E foi engraçado que um dos testes vocacionais que eu fiz no âmbito desse curso, eu tinha que botar uma lista de 10 profissões mais importantes do mundo, que sem esses profissionais o mundo seria impossível. Aí eu coloquei, obviamente, médico, advogado Aquelas profissões que a gente acha que são as profissões mais importantes do mundo E a última delas que eu coloquei foi jornalista Ela falou, ué, mas jornalista? 

Aí eu fiquei mais revoltada ainda, porque se eu não gostava da profissão. O que eu tinha que fazer para estudar, pesquisar? Ela: “- Não, traz um parágrafo sobre o que é jornalismo. Mas por que você não gosta de jornalismo?” Eu respondi:” Porque o jornalista só mente. Toda vez que acontece alguma coisa dentro da favela, o que aparece na televisão não foi o que de fato aconteceu.”  Então, eu já tinha uma visão extremamente crítica de como a favela era retratada. E eu falei que me incomodava muito os jornalistas, que eu discordava da maneira que o jornalista fazia e falava da favela.

 conta Renata Souza na entrevista.

Renata Souza – E quando eu pesquisei sobre jornalismo aí eu me encantei Aí eu falei: “Gente, eu quero ser jornalista”. Quando eu descobri isso também foi uma revolução na minha vida. Eu passei a prestar atenção no jornalzinho comunitário da Maré. Então eu fui me aproximar do jornal comunitário Isso… Enfim, depois, terminando o segundo ano, eu fui me aproximar do jornal comunitário lá da Maré, um jornal chamado O Cidadão, um jornal que tinha 20 mil exemplares impressos só para a Maré, só para vocês terem uma ideia do que isso significa hoje..  

Renata Souza – 20 mil exemplares são os números de exemplares que o Jornal do Brasil rodou para o Rio de Janeiro inteiro na sua última edição. Então, 20 mil exemplares só para a Maré no multijornal, porque a gente estabeleceu ali uma relação de boa vizinhança com a editora Ede Ouro, que tinha o seu parque gráfico dentro da Maré. Então, dentro desse jornal eu começo a entender as desigualdades, como é que funcionava. Eu falava assim, Como é que pode tanta discriminação? Como é que pode a gente viver situações como essa? 

Renata Souza – Então, dentro desse jornal eu começo a entender as desigualdades, como é que funcionava. Eu falava assim, Como é que pode tanta discriminação? Como é que pode a gente viver situações como essa? Então, com o jornal eu passei a andar a favela toda, a conhecer todas as comunidades da Maré. Entrei para o pré-vestibular comunitário, porque o jornal ficava também no mesmo prédio, do pré-vestibular comunitário, era um dos projetos do SEASM, que é o Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré. Então foi a partir desse teste vocacional no curso de teatro que eu descobri que eu queria fazer o quê? Jornalismo. E então eu comecei a me envolver em tudo dentro da favela.  

Ah, o jornal fazia o debate entre políticos. Nossa, era a parte que eu mais gostava. Os candidatos da Maré. Eu lembro que o primeiro debate que eu fui assim foi no ano 2000 e eram os candidatos da Maré. E tinha um cara que era Maré Limpa, que trabalhava com os garis comunitários na época. Tinha um outro cara. Aí levavam. E, gente, me encantava aquele negócio de perguntar para os políticos o que é que eles iam fazer. Eles me falavam nada por nada. Eu falava assim, gente, ainda bem que a gente está aqui para perguntar para esses caras. 

conta Renata Souza na entrevista.

 

Sobre o início a trajetória estudantil e a amizade com Marielle

Após ter entrado para o jornal da Maré, a Deputada conta que ingressou no pré-vestibular comunitário. A experiência no jornal foi um divisor de águas. Segundo Renata, juntas, essas duas experiências foram fundamentais para que ela começasse a entender essas desigualdades e começar a conhecer movimentos sociais como o MST e outros movimentos de referência.

 

Renata Souza – Foi a partir do jornal Cidadão e do Pré-vestibular Comunitário. Só para vocês terem uma ideia, eu levei três anos para entrar na faculdade de jornalismo. Então, o abismo educacional eu estudei sempre em Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) , em escola pública na Maré, e era um abismo educacional enorme. E eu fiz três anos de pré-vestibular comunitário para entrar na graduação Ou seja, eu fiz uma graduação para entrar na graduação E isso me ajudou muito também a entender também das desigualdades educacionais. Por que eu não conseguia entrar se para outras pessoas era tão fácil entrar? Como eu que gostava de estudar, que gostava de ler, não sei o que, não conseguia entrar. Então, isso tudo mexia muito comigo. 

Então ela era o elo entre a PUC,  Maré, e o pré-vestibular. Então eu consigo a minha bolsa de estudo através da Marielle. Uma bolsa de 100%. Aí eu fiz o curso de jornalismo na PUC, mas foi muito legal também porque quando eu entrei na PUC, talvez se eu entrasse inicialmente eu teria sofrido mais, mas eu sofri menos. Porque quando eu entrei na PUC eu já sabia quem eu era, eu já sabia que eu era maranhense, já tinha minha identidade enquanto mulher preta definida. 

vqq-cdm-site-foto-renata-109

Renata Souza –  E eu passo a fazer esses debates dentro do jornal, do pré-vestibular comunitário, mas uma coisa me incomoda especificamente, que é a questão da segurança pública. Então, eu conheço a Marielle ali nesse processo. A Marielle fazia o pré-vestibular comunitário também, ela chegou a ser do conselho editorial do jornal Cidadão, E depois a Marielle passou a trabalhar na ONG Ela era uma espécie de secretária na ONG Então a gente se conhece a partir dali Depois a Marielle entrou para a faculdade, ela entrou em 2002 Eu entrei em 2003 para a PUC E a Marielle era essa pessoa a responsável de conseguir as bolsas na PUC De 100% para os alunos da Maré 

 

A educação atravessada pela violência

É importante dizer, eu converso muito com a juventude, onde eu falo, olha, a gente já estava lá dentro da universidade falando, nós somos pretos, somos da favela, isso tem que mudar, não dá pra gente aceitar se… Na época ainda não existia a lei de cotas, né? só para vocês terem uma ideia. Então, realmente, foi um debate muito grande que a gente pegou dentro das universidades ainda com relação à lei de cotas, das cotas raciais. E a gente passou também a militar muito no movimento de defesa dos direitos humanos diante das operações policiais que ainda hoje acontecem, extremamente sangrentas e tal.

conta Renata Souza na entrevista.

Renata Souza –  Teve uma menina do pré-vestibular comunitário que era amiga, amicíssima da Marielle, eu não cheguei a conhecer, que foi morta durante uma operação policial. Isso a gente ainda não pré-vestibular comunitário. E ela era muito amiga da Marielle. Depois, em 2006, eu já estava na faculdade, estava ali naquele processo de terminar Ainda tive um sobrinho meu, que eu considerava sobrinho Porque era sobrinho de um ex-namorado meu assassinado pela polícia também com três anos. A criança levou um tiro de fuzil no dia da eleição de 2006 se não me engano, 2 de outubro de 2006, um dia de eleição, quando a Maré tem muitas escolas. 

Renata Souza –  Só para vocês terem uma ideia, a Maré tem pelo menos 45 escolas, entre escolas estaduais e municipais. E muitas dessas escolas são colégios eleitorais E tem uma rua, que é chamada Rua Principal, que tem várias escolas e que se tornam colégios eleitorais Então, naquele dia, a gente fazia na época, a gente fazia campanha pro Freixo A gente já estava envolvida no movimento de direitos humanos e tal. Passou uma moto e o carro da polícia atrás atirando.

Renata Souza – Eu escutei o tiro que matou o Renan de três anos Então, no dia de eleição, você imagina o que é para mim hoje falar do que representa o poder político diante do que é a favela periferia. Então, eu sempre odiei a questão da política institucional, porque sempre tive, obviamente, todas as minhas rogerizas diante do que sempre, dentro da favela, se relacionou com a questão da política, então, de 2 em 2 anos a cada eleição, de 4 em 4 anos a cada eleição, com essa perspectiva do cara que entra com a mala do dinheiro, vai comprar o voto e não vai votar nunca mais, sabe?

vqq-cdm-site-foto-renata-109

 Então, eu sempre odiei a questão da política institucional, porque sempre tive, obviamente, todas as minhas rogerizas diante do que sempre, dentro da favela, se relacionou com a questão da política, então, de 2 em 2 anos a cada eleição, de 4 em 4 anos a cada eleição, com essa perspectiva do cara que entra com a mala do dinheiro, vai comprar o voto e não vai votar nunca mais, sabe? Então, hoje estar na política e com toda essa relação com a Marielle, fui chefe de gabinete dela, fizemos a campanha dela, se entender nesse lugar é realmente um desafio. 

A relação da comunicação com a política

Renata Souza destaca sua migração dos bastidores para a linha de frente da política. A deputada foi impulsionada por seu incômodo com a forma tradicional de comunicação e política.  Ela conta como foi chamada por Marcelo Freixo para repensar a linguagem política.  Comenta sobre torna a comunicação mais acessível e relevante para as pessoas comuns.

Renata Souza –  Então, eu não tinha, obviamente, nenhum interesse de vir para a linha de frente da política. Eu sempre trabalhei nos bastidores da política. Então, quando eu Eu entro para institucionalidade, fui com o Marcelo Freixo Marcelo Freixo me chamou para pensar na comunicação dele Olha que interessante, né? Porque ele queria popularizar Porque a linguagem da esquerda é uma linguagem muito didática Nem didática, porque didática em tese é uma coisa que vai te ensinar Mas é uma linguagem que é muito, digamos assim, elitista, que usa o politiquês, essa linguagem política, que mais afasta do que aproxima as pessoas. 

Renata Souza –  […] o Freixo me chama para trabalhar com ele, para pensar numa linguagem popular. Então, por exemplo, a esquerda que adora falar assim, mas isso é fisiologismo, que é… Tipo, sei lá, o cara fisiológico na política é o cara que vai lá, vai dar a cesta básica, vai fazer o assistencialismo de uma maneira a receber no voto. Então, é um voto fisiológico. Gente, não vamos usar essa palavra que ninguém sabe essa palavra. Então, assim, estou dando um exemplo bobo, que parece bobo, mas que de fato, quando começa, vamos fazer uma análise de conjuntura. Gente, você está falando isso para quem?

Renata Souza –  Então, eu não tinha, obviamente, nenhum interesse de vir para a linha de frente da política. Eu sempre trabalhei nos bastidores da política. Então, quando eu Eu entro para institucionalidade, fui com o Marcelo Freixo Marcelo Freixo me chamou para pensar na comunicação dele Olha que interessante, né? Porque ele queria popularizar Porque a linguagem da esquerda é uma linguagem muito didática Nem didática, porque didática em tese é uma coisa que vai te ensinar Mas é uma linguagem que é muito, digamos assim, elitista, que usa o politiquês, essa linguagem política, que mais afasta do que aproxima as pessoas. 

Renata Souza –  […] o Freixo me chama para trabalhar com ele, para pensar numa linguagem popular. Então, por exemplo, a esquerda que adora falar assim, mas isso é fisiologismo, que é… Tipo, sei lá, o cara fisiológico na política é o cara que vai lá, vai dar a cesta básica, vai fazer o assistencialismo de uma maneira a receber no voto. Então, é um voto fisiológico. Gente, não vamos usar essa palavra que ninguém sabe essa palavra. Então, assim, estou dando um exemplo bobo, que parece bobo, mas que de fato, quando começa, vamos fazer uma análise de conjuntura. Gente, você está falando isso para quem?

A minha família não vai fazer análise de conjuntura, ela vai dizer que esse governo está deixando de fazer XYZ coisas, que está impedindo que as pessoas tenham transporte melhor, tenham acesso à saúde, acesso à educação, ponto. Não vou fazer uma análise de conjuntura para analisar politicamente como é que a gente… Entendeu? Então são ditos, palavras utilizadas em especial no campo da esquerda que afasta a população de um debate real e que seja mais direto.

conta Renata Souza na entrevista.

O trabalho na Comissão de Defesa dos Direitos Humanos

Renata Souza destaca seu trabalho em humanizar as vítimas da violência estatal, especialmente mulheres negras das favelas. Ela se recusa a explorar sensacionalismo, optando por contar as histórias por trás das estatísticas, destacando a vida e relações das vítimas. Ela narra fatos da sua atuação na Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, onde realizou e ainda realiza um trabalho em busca justiça e dignidade para aqueles afetados pela violência.

Renata Souza – E o meu trabalho lá era exatamente humanizar aquelas pessoas que chegavam dentro do parlamento completamente destruídas Muitas vezes destruídas pela bala do Estado, pelo fuzil do Estado Então pessoas que tiveram seus filhos assassinados, seus maridos assassinados Uma maioria de mulheres, de mulheres negras da favela, da Baixada Fluminense, enfim eram as pessoas que eram atendidas 

vqq-cdm-site-foto-renata-109

Então eu começo a fazer um trabalho na Comissão de Defesa dos Direitos Humanos em humanizar as pessoas que eram vítimas e são vítimas, ainda hoje, do braço armado do Estado. Mas isso vai crescendo também, a necessidade da gente pensar de mulheres negras nesse lugar. Então a gente começa a entender que não bastava ter pessoas, homens, homens brancos que são legaizinhos com a gente e querem fazer o debate que a gente faz. A gente já tinha mulheres suficientemente capacitadas para estar nesse lugar da política.

Não deixe de ouvir a entrevista na íntegra! Basta apertar o play lá no início ou acessar o episódio no Spotify.

Uma maioria de mulheres, de mulheres negras da favela, da Baixada Fluminense, enfim. Eram as pessoas que eram atendidas. E eu pegava essas histórias não do ponto de vista sensacionalista, que vai vender aquela coisa que você “espreme que sai sangue”. Então, você espreme a dor da pessoa para vender jornal ou para vender uma forma de comunicação, mas não. Dizer o que eu fazia era basicamente dizer que aqueles números terríveis da segurança pública de mais uma pessoa assassinada, que essa pessoa estudava, trabalhava, que vida ela levava, quais são as relações que elas tinham naquele território. Quem eram essas pessoas?

conta Renata Souza na entrevista.

Inicialmente, Renata não buscava uma candidatura política mas sim ajudar outras mulheres, especialmente  a se elegerem, como fez na campanha de Marielle Franco. Após o assassinato de Marielle, Renata se viu confrontada com a escolha de se dedicar ao magistério universitário ou permanecer na luta política. Ela conta que a decisão foi muito difícil, mas a mais acertada.

Renata Souza – Eu não me via, eu estava no movimento para eleger outras mulheres. Eu não estava no movimento para me eleger. A gente definiu a candidatura da Marielle a partir daí Porque a Marielle seria essa figura que ia representar outras mulheres Então a gente faz uma campanha grande. Eu coordenei a campanha da Marielle na parte de comunicação, inclusive. Então a gente definiu ali que seria uma campanha para mulheres, mulheres negras de favela e periferia. Esse seria o nosso caminho, esses três pontos que a gente não abriria mão. 

Renata Souza – Fizemos uma campanha ótima, Marielle foi a quinta mais votada na cidade do Rio de Janeiro, e depois disso veio o feminicídio político da Marielle. No assassinato da Marielle, que deixou a gente sem chão. Enfim, se entendendo cada uma como uma próxima vítima também, no final das contas, porque se a gente estava com a Marielle, eu era chefe de gabinete da Marielle, fazendo tudo, sabendo tudo, sabendo todas as agendas, sabendo todos os passos políticos da Marielle, a gente pensa, próxima sou eu, óbvio. 

Renata Souza – […] eu tinha duas opções, ou sair do país e… diante de tudo o que aconteceu, diante do que acontece ainda hoje, seis anos depois do assassinato da Marielle, ou ficar aqui e lutar de frente, ou ter uma ação mais proativa. Então foi essa a decisão mais difícil da minha vida e hoje eu imagino, dizendo para vocês, que eu não sei o que eu estaria fazendo se eu não estivesse fazendo isso, trabalhando com política. trabalhando pela humanização das políticas públicas, pensando a partir da favela, da periferia, das pessoas mais pobres, das pessoas negras, das pessoas LGBTQIA+, das mulheres, como essa política pode mexer com a vida das pessoas. Então eu acho que foi a decisão mais difícil, diante de uma dor enorme que eu acho que eu nunca vou superar, que eu tomei também a decisão mais acertada.

Recado para os ouvintes e leitores

Bom, a mensagem que eu queria deixar é para que a gente não se deixe desumanizar. A gente não precisa… E eu falo que eu pratico muito a política do afeto. O que é a política do afeto? Não é só o abraço, não é só o beijo, mas é se deixar afetar pela dor do outro. Você não precisa passar fome para se deixar afetar com quem passa fome, com a dor de quem passa fome Você não precisa ter um parente seu assassinado pelo braço armado do Estado para se afetar com uma pessoa que sofreu a dor de perder um parente, um filho, um querido para o braço armado do Estado Você não precisa estar desempregado para se afetar com quem hoje não tem condições de levar arroz e feijão para sua família comer. Então, eu acho que a política do afeto, da empatia, se deixar sentir pela dor do outro, pela dor do mundo, como dizia aí Paulo Freire também. Eu acho que essa é uma perspectiva que a Marielle sempre deixou para a gente, de reflexão sobre esse mundo.

conta Renata Souza na entrevista.

Se quiser conhecer mais sobre a trajetória da Deputada Estadual do Rio de Janeiro, Renata Souza, confira a entrevista completa no Spotify.

Rolar para cima