A Trajetória de Resistência de Mônica Francisco

Da favela do Borel, Mônica Francisco conta sobre a sua atuação como militante e parlamentar

A QTR teve o prazer de receber Mônica Francisco,  cientista social e ex-deputada estadual do Rio de Janeiro. Mônica compartilhou conosco sua trajetória pessoal e política, destacando a sua atuação em defesa dos direitos das mulheres negras.  

Ao relembrar celebração de vida, Mônica Francisco conta sua relação com território da Zona Norte Carioca

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Então, foi muito bom estar ali, sentir a energia desse quilombo urbano. É a quintal de casa. Foi muito bom receber afeto, abraço, renovação de energia, em meio a essas preocupações, obviamente, naturais. A gente é ser humano, todo mundo tem medo, todo mundo tem preocupação, mas o medo não pode paralisar a gente. Tem que ser combustível para a gente avançar. E aí com samba, com abraço, com caldinho de feijão de ervilha, cerveja, refri, água, caipirinha, e aí melhora.

Mônica Francisco –  A gente celebrou a vida ontem no Renascença Clube, um quilombo urbano, um lugar muito preto, muito raiz, na Grande Juca, um bairro da Zona Norte que tem uma cultura muito preconceituosa e racista. O Renan é, junto com outras agremiações e outros espaços, uma das grandes referências dos espaços que as pessoas pretas sempre utilizaram ali. Passei minha adolescência no Renan, fui funkeira na década de 1980, acho que nunca deixei de ser. mas frequentava os bailes funk no Rê, na época em que a gente acessava clube, que gente preta ia para clube, que gente de favela frequentava os clubes, até que terminaram com essa possibilidade, porque a gente circulava na cidade.

[…] a gente fez uma atividade de aniversário, primeiro celebrando a vida, uma semana depois da gente saber do monitoramento da PM, da nossa atividade parlamentar, eu como militante de direitos humanos sempre vivendo nesse limiar, tentando não entrar em paranoia a vida inteira, não agora, nesse período específico, mas… A gente celebrou a vida ontem no Renascença Clube, um quilombo urbano, um lugar muito preto, muito raiz, na Grande Juca, um bairro da Zona Norte que tem uma cultura muito preconceituosa e racista. O Renan é, junto com outras agremiações e outros espaços, uma das grandes referências dos espaços que as pessoas pretas sempre utilizaram ali.

conta Mônica Francisco na entrevista.

Mônica Francisco – Eu não conheci minha mãe biológica, fui criada pela minha avó paterna, pelos meus tios paternos, né? E isso já é um componente pra tudo dar errado, né? Mas eu sempre, engraçado mesmo, sem entender muito, eu sempre procurei olhar de forma positiva essa minha história, que poderia ser uma história trágica, como de tantas outras, porque meu pai também foi um pai ausente, como é a história da paternidade preta nesse país, que é uma herança da escravização do povo preto, que os homens negros sempre ou hipersexualizados ou simplesmente para serem escravos, reprodutores, ou a separação das famílias. 

Mônica Francisco – Então, os laços familiares ficaram realmente muito prejudicados para a população preta. Então, a gente tem um problema grave relacionado à paternidade no Brasil. Então, a minha vida não é distante dessa história de todo coletivo preto que compõe a maior parte da população desse país.

Mônica Francisco – Como a gente costumava dizer, a gente media o morro, sabia quantos centímetros, milímetros tinha o morro, porque a gente brincava, corria. E a gente viu também como a violência foi mudando essa história, como a gente foi ficando cada vez menos menos na rua e cada vez mais confinado, cada vez mais com medo, mais vítima da violência no quesito segurança pública. Então eu cresci nesse ambiente com muita falta, principalmente a falta d’água. Essa questão d’água atravessa muito a minha vida, é uma pauta que faz parte, é parte inerente. Eu me lembro bem pequenininha, antigamente o óleo não vinha em garrafas, vinha em latas. E eu me lembro de ganhar minha latinha de óleo, que era mais ou menos do tamanho dessa garrafa aqui, de um litro e meio. E aí eu lembro de ganhar minha latinha de óleo para carregar água.

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Então, eu pequenininha já carregava na latinha. Depois a gente vai aumentando a lata de vinte, a lata em um balde, a vida inteira praticamente vivendo assim e ajudando a minha mãe. Minha mãe era lavadeira, lavava roupa em frente ao Borel, que é uma favela que fica na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, uma favela centenária, uma história de luta muito importante, muito interessante. relacionado inclusive à organização dos trabalhadores e trabalhadoras junto ao Partido Comunista. Isso é bem interessante, os núcleos de trabalhadores organizando pela defesa da moradia, da terra, o direito à terra, o direito à moradia. Minha mãe era lavadeira e eu ajudava minha mãe sempre usando o Rio Maracanã, que infelizmente hoje está muito degradado, pela poluição, pelo esgoto. E eu cresci dentro do Rio Maracanã, tomando banho, catando peixinho, ajudando a minha mãe a lavar roupa, lavando roupa, depois carregando água. Então, como eu disse, a minha história com a questão da água é muito forte.

 

Mônica relembra desastres climáticos que afetaram o Morro do Borel

Mônica Francisco – em 1988, a gente sofreu no Rio de Janeiro todo uma tragédia por conta das chuvas, muito parecido com o que está acontecendo no Sul. No Rio de Janeiro, por conta dos morros, isso é muito pior. Se a gente for pensar lá atrás, na questão da infraestrutura, quase nenhuma nas favelas. Então, metade do borel veio abaixo.

Mônica Francisco –  A gente perdeu muita gente. O Rio Maracanã que eu falei para vocês ainda há pouco, ele levou muita gente, levou muita casa, levou muita gente que estava dormindo e que não foi encontrada até hoje. E a gente, não só no Borel, mas na Forbigo e nos morros próximos, corpos na rua que vinham do alto do morro e iam parar em distâncias gigantes levadas pela água, e metade do morro veio abaixo, praticamente metade do morro veio abaixo, a parte alta, partes muito precárias, e eu morava um pouquinho melhor, uma área que estava um pouquinho melhor.

Mônica Francisco – E ali, naquele momento, eu me vi como uma pessoa do coletivo, não dava para ficar em casa, e meio aquela tragédia na comunidade, tanta gente morta, tanta gente sem casa, E eu fui para a rua para ajudar com quem estava ajudando e ali eu, caramba, me vi como alguém do coletivo. Abrindo parênteses nessa história do Borel, o Borel tem um livro bem interessante chamado As Lutas do Povo do Borel, é um livro de Manuel Gomes. 

O prefácio desse livro é do Luiz Carlos Prestes e ele fala da organização dos trabalhadores favelados e o Borel cria a primeira associação que não era associação ainda, porque estou falando da década de 50, a gente ainda estava vivendo a ditadura Vagas. A primeira associação chamada União dos Trabalhadores Favelados, a UTF, que é alvo já há muitos anos de muitos estudos, teses, dissertações, trabalhos de conclusão de curso, pesquisa, filmes, e fala dessa organização que acaba gerando a Federação de Favelas. Que na época foi a Federação de Favelas, fundada alguns anos depois, na década de 60, meados da década de 60.

 conta Mônica Francisco na entrevista.

Mônica Francisco – Ainda é Estado da Guanabara, Federação de Favelas do Estado da Guanabara, hoje Federação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro. E a união dos trabalhadores favelados, trabalhadores e trabalhadoras, vai mobilizar a cidade, favelados da cidade também a se organizarem com a ajuda de um advogado comunista 

Mônica Francisco –  Eu venho desse lugar de luta pelo direito a permanecer na terra, muito capitaneado pelas mulheres. As mulheres ficavam com as crianças na frente dos barracos, porque era proibido construir casa de alvenaria. E se alguém começasse a construir uma casa de tijolos, a polícia, a guarda vinha e derrubava. E as mulheres ficavam na frente das casas com as crianças para não deixar derrubarem os barracos. Então, obviamente, a minha família está nessa trajetória, nessa história. Em 88, por conta dessa emergência climática que está trazendo para o dia de hoje, essa ausência do Estado no quesito habitação, moradia, adequada, acessibilidade.

Mônica Francisco – A gente tem essa tragédia no Rio de Janeiro inteiro, no Borama foi diferente. E eu me vejo ali jogada na luta coletiva também, nesse mesmo ano. Eu também abraço a fé evangélica, eu sou pastora evangélica hoje, há pouco tempo, mas de profissão evangélica já há 38 anos. E a luta se segue. por melhores condições de vida, também vivendo a minha vida ali. Me caso, tenho meu filho com 17 anos, vou trabalhar, fui operária, comecei a trabalhar aos 14 anos. Isso é importante dizer. Numa época em que a gente não tinha ainda constitucionalmente vedado o trabalho infantil.

A gente fala ainda de trabalho infantil, mas pensar que eu comecei a trabalhar com 14 anos. Eu trabalhava desde os 13, na verdade, como doméstica, depois aos 14, estudando à noite. Meu primeiro emprego de carteira assinada foi como operária. Trabalhei como operária durante um bom tempo. A Grande Tijuca era um grande polo fabricio. O Rio de Janeiro era um grande polo industrial, diga-se de passagem. Então eu vivi também… a derrocada do Rio de Janeiro nesse sentido, as fábricas indo embora, e a gente perdendo o emprego. Trabalhei numa fábrica de tecido chamada Irmak, depois trabalhei na Faet, que faz os ventiladores.

conta Mônica Francisco na entrevista.

 

Trabalho e militância

Mônica Francisco fala sobre o quando a sua trajetória foi multifacetada, desde sua atuação como agente comunitária até seu envolvimento em programas como o Favela Bairro e o Morar Carioca. Ela destacou a importância de reconhecer as favelas como parte da cidade. Mônica acrescentou o seu combate à violência que deu origem ao programa “Posso Me Identificar”, surgido após a chacina do Borel, em 2003.

 

Mônica Francisco – Ao mesmo tempo que eu militava, acabei trabalhando de forma secular e trabalhei em pelo menos 40 favelas, se a gente for juntar o trabalho como agente comunitária. o trabalho militante, a atuação militante. Trabalhei no Favela Bairro, que foi o primeiro grande programa de urbanização de favelas aqui no Rio de Janeiro, na década de 1990 até meados de 2000. Depois saí em algumas fases do programa Favela Bairro, cujo nome Oficial é PROAP, mais popularmente chamado de favela-bairro, porque tinha esse intuito de transformar favela em bairro. E aí eu já estava discutindo que favela era cidade mais do que bairro. Não bastava dizer que a favela era bairro ou dar um título de que a favela era bairro, ela precisava ser tratada como um bairro da cidade oficial, e essa foi a grande discussão.

[…] fazendo um salto, a gente chega à Era das Pepês, E, na vigência das UPPs, a gente cria a rede de instituições do Borel para fazer aquele contraponto ao discurso de que, a partir da ocupação policial, a favela passaria a viver a república, a respública. E a gente dizia não. O Estado sempre esteve aqui. A gente tem escola, tem creche. Mesmo precária, a gente passou por programas de urbanização. O Estado sempre esteve aqui. Agora, a presença mais efetiva do Estado é sempre a polícia. E agora mais ainda. Então, a gente cria. E, de lá para cá, sempre foi um processo de grandes tensionamentos nessa pauta. A gente faz um movimento muito forte, que é a Ocupa Borel, a partir de um toque de recolher instituído pela Unidade Polícia Pacificadora. Essa história é que a Unidade Polícia Pacificadora vem de longe, seus passos vêm de longe, essa história também. Essa história de monitoramento, desde lá, enfim… que é algo gravíssimo, porque você está defendendo a vida, defendendo o direito à manutenção da vida, à existência plena de todas as pessoas.

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Mônica Francisco –  Mais uma vez, uma frase… posso me identificar, porque os meninos não puderam se identificar, virou um grande movimento social e acabou desdobrando em várias instituições que hoje estão aí, cresceram, avançaram, viraram instituições e continuam a defesa dos direitos humanos a partir da articulação da luta ali no Borel, especificamente. Mais uma vez, a gente ajudando e fortalecendo a luta coletiva na cidade. Para além disso, trabalho com as mulheres localmente, a gente cria alguns projetos que cresceram depois, ficaram autônomos, passadeiras comunitárias, a ideia de fazer um trabalho com as mulheres. A gente funda uma associação de mulheres no Borel, organizando ali as mulheres muito na lógica do trabalho, da geração de trabalho e renda. Com todas essas discussões, aquela velha história do mesmo tempo e agora, era tudo, de fato, ao mesmo tempo e agora.

 

As ações pelos Direitos Humanos

A gente fez, principalmente no Borel, muitas ações do Ocupa Direitos Humanos, E, quando a Marielle resolve se candidatar em 2016, a gente superapóia, acha maravilhoso.[…] É muito engraçado porque, quando a Marielle me convida para trabalhar com ela, eu não aceito de pronto porque a gente tinha muita resistência com essa coisa de trabalhar em mandato. […] aí, no mandato da Mari, ela vai pensar essa possibilidade, olhando a minha trajetória e olhando também o movimento que ela mesma vinha fomentando, que era o de mais mulheres na política. Ela estava lá. envolvida com coletiva partida, pensando contra as mulheres, a inserção de mais mulheres na política. E aí ela pensa, obviamente, num projeto político, e pensa na ocupação da Câmara. E aí ela vê ali, na minha trajetória, a possibilidade da construção de um quadro para ocupar a vereança em 2020. 

conta Mônica Francisco na entrevista.

Mônica Francisco –  Então ela começa um movimento de construção, de dar visibilidade, da Mônica do Borel, para que todo mundo saiba que a Mônica do Borel e a Mônica Francisco são as mesmas pessoas, que mais pessoas me conheçam, mas, obviamente, a gente é atravessado pela execução da Marielle. E, um pouquinho antes disso, ela tinha dito o seguinte, duas pessoas do nosso clube, que tinham uma pauta parecida com a minha, tinham desistido. Ela falou, acho que o importante era você ver agora, porque tem uma janela de oportunidade. Uma foi o Henrique Vieira e a outra Sandra Quintela. É uma pessoa que debate mulheres e economia, e o Henrique, pelo óbvio, pastor evangélico, progressista, mas fundamentalista. E ela viu ali aquela janela de oportunidade.

Mônica Francisco –  Não foi tão simples, parece que foi simples, mas não foi tão simples assim. Eu não me via realmente nesse espaço. Esse é um espaço muito elitista, e pessoas como a gente, vindas dessa trajetória. Operária doméstica, grande parte da minha vida foi trabalhando como empregada doméstica. Eu saio de uma casa de família para trabalhar como agente, em 2002. 

Mônica Francisco – Fui empregada doméstica até o ano de 2002, até março de 2002 eu era empregada doméstica. Se não me engano, março ou abril. Depois eu vejo a minha rescisão até para guardar de carteira assinada. até 2002 e saio para me tornar agente comunitário. Então, essa trajetória da militância, da luta. Sou militante da Economia Solidária, fundadora do Fórum de Cooperativismo aqui do estado do Rio de Janeiro. A gente ajudou a construir nesse estado e nacionalmente a política de Economia Solidária.  

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Eu fui diretora da Federação de Rádios Comunitárias aqui do estado do Rio de Janeiro. Sou fundadora de duas rádios comunitárias, militante pelo direito, pela comunicação popular. Antes a gente falava comunicação comunitária, agora comunicação popular. com essas novas mídias todas, tecnologia. Então, esse combo todo gerou esse olhar de que esse quadro poderia ocupar o espaço institucional, mas a gente não se vê, porque você se vê na luta, você se vê na rua, você se vê no enfrentamento, mesmo com todos os perigos, apesar dos perigos, sempre acreditando que um novo tempo é possível, outro mundo melhor é possível. E chego, em 2018, ao Parlamento, à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, num momento difícil de ascenso do fundamentalismo, do fascismo e tudo que a gente viveu.

Da atuação comunitária à esfera Legislativa

Mônica Francisco destaca uma parte da sua trajetória como militante e como sua atividade deu origem à sua atuação como parlamentar.

Mônica Francisco –  Eu fui diretora da Federação de Rádios Comunitárias aqui do estado do Rio de Janeiro. Sou fundadora de duas rádios comunitárias, militante pelo direito, pela comunicação popular. Antes a gente falava comunicação comunitária, agora comunicação popular. com essas novas mídias todas, tecnologia.

Mônica Francisco –   Então, esse combo todo gerou esse olhar de que esse quadro poderia ocupar o espaço institucional, mas a gente não se vê, porque você se vê na luta, você se vê na rua, você se vê no enfrentamento, mesmo com todos os perigos, apesar dos perigos, sempre acreditando que um novo tempo é possível, outro mundo melhor é possível. E chego, em 2018, ao Parlamento, à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, num momento difícil de ascenso do fundamentalismo, do fascismo e tudo que a gente viveu.

Mônica Francisco  – Fui vice-presidenta da comissão que investigou as causas do feminicídio no Estado. A gente atuou produzindo legislação, a Lei do Sinal Vermelho, o X, na mão contra a violência. A gente fez em parceria com a Associação de Magistrados e Magistradas, junto aqui do Estado do Rio de Janeiro, em articulação com o projeto do Conselho Nacional de Justiça, que é o do batom vermelho, a ideia do X, do sinal vermelho na mão, os cartazes que orientam sobre o atendimento no campo da saúde das mulheres lésbicas, das mulheres LGBTs. 

Mônica Francisco – A gente propôs o projeto Luana Barbosa, a lei Luana Barbosa contra o lesbocídio, a gente atuou na CPI, que investigou a intolerância religiosa, o racismo religioso, no estado do Rio de Janeiro. A gente produziu legislação contra o racismo religioso. Enfim, a gente fez uma atuação na comissão de trabalho muito pautada no trabalho das mulheres sustentando o mundo. Daí a gente continua hoje com essa dinâmica discutida, a economia do cuidado, o quanto as mulheres ainda estão aquém, desde a questão salarial, apesar de todos os avanços, mas a gente ainda e as.

 

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E aqui estou conversando com vocês, tendo sido a parlamentar negra, com tantos parlamentares brilhantes que a gente tem, eu diria por um golpe de sorte desses, mas não acredito em coincidência, acho que é uma junção de muita gente bacana. A gente se torna a parlamentar negra com mais produção e atuação no Brasil, alvo dessa pesquisa do mulheres negras de cidre, isso no ano de 2022. E a gente está aqui, mesmo com o monitoramento da PM, atuando no enfrentamento. A gente atuou muito no Jacarezinho. por conta das denúncias de estupro das mulheres e de violações extremas ali, após aquela chacina absurda, a maior chacina da história do estado do Rio de Janeiro. Então, seria impossível que a gente não atuasse. É muito interessante, as pessoas perguntam, mas não tem medo? Todo mundo tem medo, todo mundo. Eu acho que é o medo que faz a gente avançar, porque você vai tentando agir com prudência, mas é impossível. você não atuar. Então, a gente chega ao parlamento, a gente atua, a gente ocupa espaços.

Mônica Francisco – Fui vice-presidenta da comissão que investigou as causas do feminicídio no Estado. A gente atuou produzindo legislação, a Lei do Sinal Vermelho, o X, na mão contra a violência. A gente fez em parceria com a Associação de Magistrados e Magistradas, junto aqui do Estado do Rio de Janeiro, em articulação com o projeto do Conselho Nacional de Justiça, que é o do batom vermelho, a ideia do X, do sinal vermelho na mão, os cartazes que orientam sobre o atendimento no campo da saúde das mulheres lésbicas, das mulheres LGBTs. A gente propôs o projeto Luana Barbosa, a lei Luana Barbosa contra o lesbocídio, a gente atuou na CPI, que investigou a intolerância religiosa, o racismo religioso, no estado do Rio de Janeiro. A gente produziu legislação contra o racismo religioso. Enfim, a gente fez uma atuação na comissão de trabalho muito pautada no trabalho das mulheres sustentando o mundo.

Política e Evangélicos

Mônica fala sobre a crescente influência evangélica na sociedade e na política. Destaca desafios de dialogar com esse setor. Ressalta a importância das igrejas como centros de sociabilidade e suporte emocional em comunidades marginalizadas e aponta a dificuldade das pessoas de esquerda em compreender essa realidade. 

Mônica Francisco – Onde você, mesmo falando errado, você é dirigente da oração. Mesmo falando o nome dos livros da Bíblia errado, ninguém ri de você. Você é igual. Inclusive, hierarquicamente, em algumas situações, você está até acima, porque você é o dirigente da oração, é respeitado. É a irmãzinha que não sabe ler, mas gravou a Bíblia porque pede a filha para ler para ela. Ou o neto, ou a neta, e ela sabe de qual é salteado, e ela prega, e ela ora. E é o irmão ou é a irmã. que passam no meio da boca, estão lá, não quer saber se os meninos estão com arma, não estão com arma, se pedir oração, ela para e faz a oração. Então, tem uma série de questões que estão muito distantes do universo das esquerdas, que está para além do entendimento.

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Eu até brinco, não adianta ler o Capital ou o Manifesto do Partido Comunista, não vai entender, a gente está falando de outra coisa, a gente está falando de gente que não tem perspectiva de futuro ou até busca. Um elevo espiritual, assim como vai buscar no budismo, às vezes não está em miséria financeira, mas ela emocionalmente não está bem, como vai buscar? Então, são muitos mecanismos para a gente até falar num encontro, mas pensar numa forma de comunicar. Porque tem uma outra questão. As igrejas cresceram no processo mediático. Hoje todo mundo canta louvor. Hoje todo mundo canta música gospel. Do cara que está no boteco até. Todo mundo gosta de uma música ou outra. Todo mundo. Tem gente que conhece cantor que eu nem sei quem é.

Até 2030 a gente será, de fato, um país de maioria evangélica, Isso não é bom, porque eu posso dizer com propriedade até, porque são alguns anos percorridos de exercício da minha fé, não é? À margem, não. Eu sou crente mesmo. Sou crente, gosto de ir para o monte, falo a linguagem do meu povo, sei o crentês, tudo isso. Tem um companheiro nosso que diz que a gente é poliglota dentro do nosso próprio país. Por que isso? Estou aqui conversando com vocês, aí depois você está no parlamento, aí depois você está na favela. A gente é poliglota porque a gente tem que ir girando a chave para ir dialogando, não é falando para o outro, é dialogando.

conta Mônica Franscisco na entrevista.

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Mônica Francisco  – Então, são muitas minúcias, são muitas questões muito específicas para que a gente consiga garantir uma comunicação dialógica que, de fato, chegue no coração dessas pessoas, sem que seja diminuindo ou atribuindo a elas o que a gente olha e cai nas parrelas do senso comum, que é atribuir a elas a prática das suas lideranças. Porque quem vende as igrejas, quem faz os acordos sujos, quem manipula são as lideranças, em sua maioria homens, brancos, riquíssimos, nem ricos, riquíssimos. 

Mônica Francisco – A minha perspectiva de futuro, como eu te falei, pensando no campo religioso, evangélico, eu sinto muita apreensão, porque a gente caminha até 2030 para ser o maior país evangélico do mundo. Isso não é bom, isso é perigoso. É perigoso que a gente tenha, por exemplo, na estrutura de leis e do judiciário, um risco grande nesse campo. de influência mesmo, dificultando o Estado laico, o exercício da laicidade do Estado. Mas eu também tenho muita esperança, eu tenho esperança nas juventudes, eu tenho esperança sobretudo nas mulheres negras.  

Mônica Francisco deixa como recado a reflexão de que apesar de alguns retrocessos, de alguns perigos no caminho, que  é necessário prestar muita atenção sobre a importância de adiar o fim do mundo. Na sua visão, é urgente a necessidade de olhar para os extremos climáticos  e correr para evitar o agravamento.

Recado para os ouvintes e leitores

[…] a ocupação dos espaços de poder não pode ser só um desejo e a gente achar que é uma coisa bacana. Ela é necessária até que a gente mude, até que a gente tenha ocupado, de fato. Ocupado no sentido de ter impacto da nossa presença nesse espaço e esse impacto seja sentido no conjunto da sociedade.

conta Mônica Francisco na entrevista.

Se quiser conhecer mais sobre a trajetória de Mônica Francisco, confira a entrevista completa no Spotify.

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