Afinal, quem quer ensinar? Formação de professores e política

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Por Diego Calegari

Graduado e mestre em Administração pela UFSC e pós-graduado em Liderança e Gestão pelo CLP. Atuou como líder estudantil (Movimento Empresa Júnior), professor, consultor, gestor e empreendedor nas áreas de comunicação, inovação e educação. Enquanto empreendedor, fundou a Politize! – maior organização de educação para a cidadania do Brasil – e a Civicus – negócio de impacto voltado para o fortalecimento das agendas ESG das empresas. Na gestão pública, atuou como Diretor de Inovação e Tecnologia na SEDUC-SC, como Gerente de Cidade Humana e Inteligente na Prefeitura de Joinville e como consultor em projetos para governos municipais e estaduais. Participou de diversas redes e conselhos, como Rede de Líderes da Fundação Lemann, CLP – Centro de Liderança Pública, RAPS – Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, Nexus Global Shapers. Atualmente é Secretário Municipal de Educação de Joinville.

Afinal, quem quer ensinar?

Pesquisas em todo o mundo mostram que a presença de professores preparados e motivados é a variável mais importante para a qualidade de qualquer sistema educacional. No âmbito nacional, pesquisa inédita do Instituto Península, realizada em parceria com o professor impacta em 60% aprendizagem dos alunos.

Neste sentido, não há como discutir estratégias de melhoria da educação brasileira que não coloquem o professor no centro das suas preocupações.

Em contraste com essa necessidade, a falta de professores em quantidade e qualidade suficientes nas redes públicas públicas de ensino no Brasil é uma realidade conhecida e que tem como origem diversos problemas na “cadeia” de formação de futuros docentes: currículo e práticas de cursos de formação inicial desconectados com a realidade da sala de aula; massificação do Ensino à Distância na formação de professores; carreiras desatualizadas e precarizadas, com progressão não valoriza o desempenho docente; ausência de programação de formação continuada de qualidade, entre muitos outros. 

Recentemente, o Ministério da Educação (MEC) e o Conselho Nacional da Educação (CNE) anunciaram algumas medidas importantes para atacar alguns desses problemas, como:  

  • Resolução CNE/CP nº 4, de 12 de Março de 2024, contendo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior de Profissionais do Magistério da Educação Escolar Básica. A norma atualiza outros regulamentos e estabelece, entre outros pontos, que cursos de licenciatura terão, no mínimo, duração de quatro anos, com 3.200 horas de carga horária — das quais ao menos metade (1.600 horas) deve ser realizada de forma presencial. Essa medida é importante porque coloca a importância da presencialidade na formação inicial de professores, sobre a qual tem avançado enormemente o EaD nos últimos dez anos. 
  • A Portaria Ministerial no 610, de 27 de junho de 2024, que institui o Enade das Licenciaturas, caminha na direção certa para o avanço da qualidade da formação inicial de professores. Conforme nota técnica do Profissão Docente, além de diversas inovações que caminham para a melhora do instrumento e sua efetivação no objetivo de avaliar a qualidade dos cursos de formação de professores, a proposta também incentiva e fortalece as possibilidades de maior integração entre as redes de ensino, IES e instituições da Educação Básica.

Contudo, essas e outras medidas para melhorar a formação inicial de professores não serão bem sucedidas para reverter o quadro de falta de professores em quantidade e qualidade se não atacamos, em paralelo, um dos mais relevantes, urgentes e desafiadores gargalos para a formação de professores no Brasil: a baixa atratividade da profissão docente.

Apesar da remuneração média dos professores ter evoluído muito nos últimos anos – resultado de políticas como o Fundef (transformado em Fundeb) e a Lei do Piso Salarial do Magistério – pesquisas mostram que apenas 1 em cada 20 estudantes de Ensino Médio querem ser professores, número muito inferior ao dos países com as melhores notas no PISA.

Esse dado alarmante pode ser explicado por outro, igualmente preocupante: segundo levantamento realizado pela Varkey Foundation em 2018, o nível de prestígio da profissão docente no Brasil é o mais baixo do mundo. Ou seja, mesmo com os ganhos materiais obtidos nas últimas décadas, nossos jovens não vêem a profissão como uma opção atrativa e não têm interesse em seguir na carreira docente.

O baixo interesse dos jovens brasileiros na profissão docente resulta, naturalmente,em menos jovens talentosos escolhendo um curso de ensino superior na área. A prova disso é que 70% dos ingressantes no curso de pedagogia em 2018 obtiveram notas abaixo da média geral no ENEM. Destes, quase ⅓ obteve notas inferiores ao mínimo necessário(450 pontos) para obter um certificado de conclusão do Ensino Médio até 2017.

Trocando em miúdos: atraímos os jovens com pior desempenho acadêmico na educação básica para retornarem às salas de aula como professores. Como é possível mudar o quadro catastrófico de baixa qualidade da educação brasileira quando estamos recrutando para a profissão docente justamente aqueles que tiveram acesso a uma  educação básica de má qualidade? Como iremos inspirar e apoiar nossos alunos para que atinjam altos níveis de aprendizagem quando o próprio professor que deveria se encarregar dessa tarefa apresenta sérias defasagens na sua formação?

Aqui não se trata de elitizar a profissão docente ou de dizer que apenas os melhores alunos tenham condições de se tornarem bons professores. Trata-se de reconhecer fatos, comprovados por diversas pesquisas: alunos com melhores resultados na escola têm mais chance de se tornarem bons professores no futuro. Portanto, enquanto não conseguirmos tornar a docência atrativa aos olhos de boa parte dos nossos melhores talentos, dificilmente faremos com que a qualidade da educação brasileira dê o salto que precisa.

Dentre as muitas ações necessárias para que isso aconteça, elenco aqui algumas que me parecem as mais urgentes e necessárias:

  • Primeiro, alterar os mecanismos de credenciamento e avaliação dos cursos de licenciatura, induzindo-os a serem mais práticos e conectados com a realidade da sala de aula, em consonância com o que já preconiza a nova Base Nacional Comum de Formação de Professores. O novo ENADE das Licenciaturas certamente vem ao encontro dessa melhoria, mas é necessário que se vá além da mera (re)classificação dos cursos em conceitos e se estabeleça um verdadeiro “pente fino” no setor, fazendo com que cursos de baixa qualidade sejam reformulados ou sejam fechados. Isso já ajudaria a sinalizar para a sociedade que a formação de professores é coisa séria, restrita a instituições de ensino competentes e a alunos realmente interessados, e não um curso “fácil” que se faz pela internet, como infelizmente se tornou a imagem associada aos cursos de licenciatura (em especial a Pedagogia). 
  • Segundo, criar um sistema de incentivos com bolsas de estudo para atrair e manter os melhores talentos do ensino médio em cursos de licenciatura credenciados e habilitados. Isso estimulará os alunos com as melhores notas no ENEM a seguirem a profissão docente e se formarem em boas instituições de ensino. O Chile tem investido nessa direção,
    adotando há muitos anos políticas como o Beca Vocación, que incentivam os alunos com os melhores resultados no equivalente ao ENEM chileno a cursarem a licenciatura – com bolsas de estudo e outros benefícios – com resultados expressivos na mudança no perfil dos ingressantes nos cursos. Essa política seria ainda mais potente se associada à anterior, reservando esse benefício apenas aos alunos que ingressarem em IES com conceito satisfatório do novo ENADE das Licenciaturas, fortalecendo a ideia de que os melhores alunos vão estudar nas melhores universidades para se tornarem professores.
  • Terceiro, criar um Exame Nacional da Docência que possa ser utilizado pelos municípios e estados para fins de seleção de professores temporários e concursados em suas redes, qualificando os processos de seleção de docentes e trazendo maior credibilidade para a profissão como um todo. Além de qualificar os processos de seleção de professores em todo o Brasil – substituindo concursos de qualidade muitas vezes duvidável e processos de admissão de temporários que sequer analisam aspectos relacionado ao conhecimento e capacidade docente – e induzir as licenciaturas a uma adaptação dos seus currículos para aquilo que o exame exigir como mais importante, uma iniciativa dessa natureza teria o efeito de comunicar à sociedade que a profissão docente é uma profissão de respeito, para a qual são necessários conhecimentos e preparo. 

Por fim, e não menos importante, seria essencial criar uma campanha permanente e de amplitude nacional de valorização da profissão docente, desconstruindo o estigma negativo que a profissão ainda tem e reforçando sua contribuição inestimável para o desenvolvimento econômico e social do país como um todo. Sensibilizar os jovens para a  ideia de que a profissão tem um lugar diferenciado no rol de ocupações nacionais, e que aqueles que a ocupam merecem o respeito de toda a sociedade. Essa medida, apesar de mais sutil, teria a vocação de atuar como uma espécie de “cola” cultural em relação às demais ações supramencionadas, fortalecendo a identificação da profissão docente como uma ocupação de prestígio, como já foi há décadas atrás no país.

É evidente que essas medidas só serão eficazes se contidas num rol mais abrangente de mudanças na educação brasileira, não só na formação de professores, mas também na melhoria da infraestrutura das escolas, na oferta de recursos pedagógicos em quantidade e qualidade suficientes, na estruturação de políticas de apoio aos alunos mais vulneráveis, entre tantas outras. Não obstante, essas sugestões apontam para uma realidade que precisa ser encarada de frente:

nenhum país do mundo levou sua educação a níveis de excelência sem tornar a docência uma profissão reconhecida, valorizada e desejada. Será diferente com o Brasil?

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