Vinícius Baião
Vencedor do Prêmio Shell na categoria dramaturgia pelo texto “Três Irmãos” e do Prêmio CBTIJ de teatro para crianças na categoria “melhor texto adaptado” por “Uma História de Rabos Presos”.
Mestrando em Humanidades, culturas e Artes. Pós-graduado em produção cultural com ênfase em literatura infanto-juvenil pelo Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e graduado em Letras (Português / Italiano / Respectivas Literaturas) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Publicou os livros Ainda Cerne (Editora Patuá, 2014), Usucapião (Editora Multifoco, 2008), Ponte deVersos (Editora Ibis Libris, 2004) e Coletivo Vacamarela (Tordesilhas, 2007), os dois últimos em conjunto com outros escritores. Organizou a antologia Veredas Flumineses (Editora Dissemelhaças, 2023), que conta com 13 dramaturgias escritas autores da Baixada Fluminense.
Trabalhou com os grupos teatrais Trupe do Experimento, Cenáculo Cia. Teatral e, atualmente, dirige a Cia Cerne, onde escreveu e dirigiu 8 espetáculos autorais nos últimos 10 anos, tendo recebido mais de 50 premiações em festivais nas categorias texto, direção e ator.
O bom momento vivido pela Cultura da Baixada e os desafios para o futuro
A Baixada Fluminense vive, nesses primeiros anos da década de 2020, um dos seus momentos de maior efervescência cultural, com produções nos diversos campos da arte acontecendo a todo tempo, em todas as cidades que compõem a região.
Quem acompanha os corres dos artistas locais e segue seus perfis nas redes sociais consegue perceber, sem muito esforço, a rica cena que vem se estabelecendo e chamando atenção até mesmo de agentes que, antes, não viravam seus olhos para o nosso chão.
Podemos citar como exemplo desse novo momento os dois Prêmios Shell – a mais importante premiação do Teatro Brasileiro – que vieram para a Baixada nos últimos dois anos. Em 2023, a Cia. Atores da Fábrica, de Nova Iguaçu, venceu na categoria iluminação e, em 2024, a Cia. Cerne, de São João de Meriti, ganhou na categoria dramaturgia.
Toda essa profícua produção é resultado direto de políticas públicas que trouxeram para a Baixada investimentos como nunca antes havia sido feito. Porém, é importante ressaltar: políticas públicas das esferas estadual e federal. Em nossos municípios, a coisa não avançou muito não.
Antes, contudo, de iniciarmos qualquer reflexão sobre o assunto que trouxemos à tona no inicio desse texto, é preciso situar de que território estamos falando. A Baixada Fluminense está localizada na região metropolitana do Rio de Janeiro, possui cerca de 4 milhões de habitantes e é formada por 13 municípios, a saber:
- Duque de Caxias
- Nova Iguaçu
- São João de Meriti
- Nilópolis
- Mesquita
- Belford Roxo
- Queimados
- Seropédica
- Japeri
- Paracambi
- Magé
- Itaguaí e
- Guapimirim.
Tradicionalmente, a região também é tida como definidora para eleições estaduais, com mais de 2,8 milhões de eleitores, aproximadamente 1/5 dos eleitores do estado.
Apesar da importância inquestionável da região no contexto fluminense, no que se refere à cultura, sempre houve um descaso histórico do poder público com o setor, o que fez – e continua fazendo ainda hoje – com que muitos artistas baixadenses precis(ass)em se deslocar até a capital para conseguirem viver de seus ofícios, fato que não chega a ser nenhuma surpresa se pensarmos que muitas das cidades da Baixada foram pensadas a partir da lógica da cidade dormitório.
São João de Meriti, por exemplo, com apenas 34Km² de extensão territorial, não possui modais que integrem toda a cidade, mas, por sua vez, em todos os bairros do município há linhas de ônibus e/ou estações de trem com destino à capital.
Voltando ao bom momento vivido pela produção cultural da região, é preciso entender que ele é fruto de três marcos decisivos: a implementação da Lei Estadual 7.035 de 2015, que instituiu o Sistema Estadual de Cultura e que garante que 60% dos recursos de editais propostos pela Secretaria Estadual de Cultura e Economia Criativa (SECEC) sejam obrigatoriamente destinados para proponentes sediados fora da capital; a implementação da Lei Aldir Blanc; e a implementação da Lei Paulo Gustavo.
Tais medidas, somadas a, nas palavras de Leandro Fazolla, um “novo momento social em construção, em que as artes das periferias, bem como de diversos outros grupos minorizados, começaram a ser olhadas com mais atenção” (neste quesito, podemos destacar iniciativas de instituições como SESC e Sesi-Firjan com editais próprios voltados para a região), propiciaram aos coletivos da Baixada participarem pela primeira vez – tardiamente e ainda em condições de desigualdade, é sempre bom ressaltar – dos recursos destinados à cultura e, assim, ampliarem seus movimentos de profissionalização.
Nenhum dos fatores listados, porém, nasceu por iniciativas das cidades, que, em suas políticas locais, continuam a reproduzir a lógica do balcão, dos favores, e não aprofundam seus mecanismos próprios de fomento e difusão cultural. Com a aprovação da Lei Aldir Blanc, no período pandêmico, algumas cidades correram para regularizar seus CPFs da Cultura (Conselho Municipal de Cultura – Plano Municipal de Cultura – Fundo Municipal de Cultura).
Ainda assim, segundo dados da Casa Fluminense, mais de 45% dos municípios da Baixada ainda não efetivaram completamente seus CPF's culturais. E entre os que regularizaram, não houve qualquer avanço significativo depois disso.
Com uma ou outra exceção, não vemos articulações locais para o desenvolvimento da cultura e da economia criativa por parte das prefeituras municipais. Em algumas cidades, não há sequer secretaria de cultura. Os orçamentos aprovados pelas câmaras municipais continuam quase irrisórios. São João de Meriti, por exemplo, destinou em sua LDO apenas 0,01% para a cultura o que, em números absolutos, significa um orçamento anual de R$ 66.000,00 (sessenta e seis mil reais – você não leu errado!) para uma cidade com aproximadamente meio milhão de habitantes.
O montante investido pela Lei Paulo Gustavo e pela Lei Aldir Blanc I na Baixada ultrapassa os 54 milhões de reais e chegaram diretamente na ponta.
O entendimento de que cultura gera emprego, gera renda e contribui para o desenvolvimento econômico e social e humano de um território já está enraizado nos fazedores de cultura e naqueles que também aumentam seus rendimentos prestando serviço para atividades culturais, como é o caso de fretes, motoristas de van, marceneiros, do cara que aluga cadeira pro evento, entre tantos outros.
Que a gente consiga inserir essa pauta no debate eleitoral que se avizinha em cada uma das cidades de nossa região, pois o bom momento que hoje vivemos pode, rapidinho, desaparecer, se não desenvolvermos políticas públicas municipais que contribuam para o crescimento de nosso setor e, consequentemente, de todo município.