Educar é permitir a continuidade do que somos e do que sonhamos

Edimara Celi

Edimara Celi, carioca de Bangu, mãe, ativista, articuladora social, política, historiadora. Alumni RenovaBR, formada em políticas públicas pela Casa Fluminense, Líder Vamos Juntas, Articuladora Mulheres Negras Decidem, embaixadora Politize, Líder Todaz na política, PerifaLab e iPad Seja Democracia.

Empreendedora Social, Cofundadora de Organizações políticas e sociais em defesa dos direitos da população negra, como Frente Favela Brasil, Frente Nacional Antirracista e Diversidade Carioca. Fundadora e Conselheira de Coletivos e Programas de enfrentamento a violência contra a mulher, com ênfase em mulheres empreendedoras de Favelas e periferias, como Pretas de Frente e D.A.M.A.S.

Articuladora de Empreendedorismo de desenvolvimento econômico e político sustentável no Empreendedo pela vida. Gestora pública, Liderança Feminina 2023 e Coordenadora de Empreendedorismo da Secretaria de Políticas e Promoção da Mulher na Prefeitura do Rio de Janeiro. Coordenadora da Rede Empreendedora Carioca, tendo impactado mais de 800 mulheres com capacitações, qualificações e geração de renda na cidade do Rio de Janeiro.

Educar é permitir a continuidade do que somos e do que sonhamos.

E muito pelo contrário, sempre me desafiou de maneira positiva. Como mulher negra, desafio a vida desde o ventre da minha mãe, com quem lutei por seis meses para que pudesse nascer.

Nascendo eu órfã de pai, minha mãe se viu só na criação de dois filhos já nascidos e de mais essa uma, ainda sendo gerada em seu ventre, cheia de incertezas. Nasci e o amor transformou o que poderia ser a filha do desespero, na filha da esperança. É nessa introdução que reafirmo o meu respeito e luta pela liberdade de decisão das mulheres sobre seus corpos.

Sou continuidade, parte de um todo, e isso aprendi no quintal aprendi no quintal da minha avó paterna.

As férias sempre foram repletas de disputas entre meus primos, irmãos e vizinhos que se espalhavam por aquela área, que hoje me parece tão menor que a das minhas lembranças, mas ainda tão rica e cheia de sabores e cores que me trazem alegria.

Me embrenho em imagens onde lidero os grupos nas brincadeiras e também sou quem – quando não criava – resolvia os conflitos. Fui aquela criança que despertava comentários como:

– essa aí vai ser deputada, tudo ela quer estar na frente!

– chama a Edimara que é ela quem resolve!

Minha avó sempre observava nosso comportamento, disfarçava molhando as plantas, com quem tinha conversas intermináveis.

Lembro muito nitidamente de algumas frases que guardo como um tesouro precioso.

: Sorriso é do mundo, coração é seu.

: Pode dividir, Deus não deixa faltar!

Tenho como exemplo essa mulher gigante que me ensinou que podemos e devemos estar a frente, ter fala firme e se preciso for, brigar por aquilo que a gente acredita. Sem precisar se achar maior ou melhor que os outros, que tudo teve um começo e que muito do que somos, é continuidade de alguém.

Respeito e admiração me são por máxima quando me refiro a todas as mulheres que destravaram essa grande encruzilhada por onde hoje caminho.

Sou elo de continuidade de um família matriarcal, de uma ancestralidade que sempre me entrega a coragem necessária para que a minha jornada seja de valor, muitos deles inegociáveis.

Minha jornada como cidadã tem início na primeira escola em que estudei, o CIEP Che Guevara no bairro de Campo Grande na zona oeste do Rio de Janeiro, onde nasci.

Os nomes do guerrilheiro argentino e do governador sulista Leonel de Moura Brizola, juntos em uma placa de bronze na entrada da escola, cria um marco histórico pessoal na minha narrativa.

Sedenta de saberes desde que “me entendi por gente”, aprendi quem foram essas duas figuras revolucionárias e políticas muito cedo. Cresci vendo a revolução como um sonho a ser conquistado e a educação como o início de toda transformação.

Fundei um grêmio estudantil ainda no ensino fundamental, o Consciência Negra, primeiro da escola e também da minha trajetória política. Afinal foi meu primeiro passo na reivindicação de políticas públicas para que pessoas negras tivessem acesso a História do povo negro organizado como protagonista revolucionário da História do Brasil. Aquele povo negro das histórias que minha mãe contava.

Certa resistência do corpo docente dificultou o processo de permanência do grêmio, insisti, mas o Consciência Negra durou apenas 01 ano na escola municipal Maria Baptista Duffles Teixeira Lott, mulher aguerrida, professora visionária que transformava vidas lecionando na varanda se sua própria casa.

Anos depois de já não fazer parte do quadro de alunos da escola, pesquisei sobre ela, pois precisava calar a voz que sempre me atormentava enquanto eu cantava o hino nacional no pátio da escola.

: que será que essa mulher fez pra dar nome a essa escola?

Contemplada pela resposta, mais uma vez tive provas do poder transformador que podemos alcançar com a educação. Seja ela formal, informal ou empreendedora como hoje compartilho com outras mulheres que têm no empreendedorismo formas de combater a vulnerabilidade e garantir dignidade e suas próprias vidas.

Mulher negra altiva, de sangue nordestino, honro as mulheres que me constroem desde a ilha maranhense até essa terra Carioca que abrigou a minha mãe 57 anos atrás.

Forjo minha coragem no senso de justiça de uma filha de Xangô, e tenho nos ventos de Oyá a mudança que provoco na construção de cada Movimento social, Coletivo ou Organização Política que fundei ao longo desses anos, desde a primeira liderança do Diretório Central dos Estudantes da faculdade Moacyr Sreder Bastos onde cursei História e de lá saí militante e defensora de direitos humanos, ativista e membro do sindicato dos professores.

Como liderança feminina negra, faço dos recortes sociais, a minha trincheira, onde luto e venço batalhas, pra que minha filha viva em uma sociedade mais justa, e nessa guerra feroz que é existir, eu existo e me nego a ser adoecida pelo racismo e cega pelo machismo. Sou continuidade em uma luta constante pela nossa existência enquanto mulher e enquanto pessoa negra.

Em 2018 meu plano era me formar em cursos de políticas públicas, democracia e política, para auxiliar pessoas pretas que quisessem ser candidatos e candidatas a cargos eletivos, trabalhando então nos bastidores. Nesse mesmo ano, a vida e seus processos, por vezes dolorosos me fizeram entender pela dor da perda, que era a hora de protagonizar a história de liderança, conhecimento e coragem iniciada naquele quintal, da casa da minha avó.

Com ajuda de pessoas mais experientes, que sempre foram para mim referências,  e de gente que assim como eu, que naquele momento de dor e revolta, sentiu necessidade extrema de responder àquele terrível corte em nossas carne, tomei a frente e gritei, dessa vez com voz mais forte, bradei!

Bradei por justiça, por equidade e pelo direito de disputar espaços de poder, que são a única garantia de realização do sonho revolucionário de transformar o mundo através da educação, pois ela sem a política não funciona da forma que a gente precisa.

Hoje na gestão pública, me disponho a pensar, planejar e criar caminhos possíveis para uma educação transformadora. Eu acredito e confio nos processos gerenciais que podemos realizar, seja na educação antirracista, política ou empreendedora.

Educar é permitir a continuidade do que somos e do que sonhamos. Se esse sonho for coletivo, a gente realiza.

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