Eduardo Suplicy – Infância, Carreira e a Luta pela Renda Básica

A Trajetória de Eduardo Suplicy - Parte 1

Infância em São Paulo, formação nos Estados Unidos, entrada na política e a sua grande paixão: a renda básica.

A “Quem te Representa?” teve a honra de receber no QTRCast Eduardo Suplicy, uma das grandes sumidades da política brasileira, um democrata, economista, professor universitário, senador por 24 anos e hoje Deputado Estadual por São Paulo desde 2022.

Eduardo Matarazzo Suplicy nos conta com detalhes cativantes sobre sua jornada de vida e sobre seus esforços para bem representar a população que o escolheu. Ele compartilha também as origens de um dos seus maiores projetos: o Renda de Básica de Cidadania.

O representante do povo no dia a dia

Eduardo Suplicy – Afinal de contas, o que é ser um representante do povo? Que funções ele exerce? Bem, ao me colocar à disposição dos eleitores para ser eleito deputado estadual, e tendo tido 807.015 votos, em todos os 645 municípios do estado de São Paulo – não houve cidade onde eu não tenha tido votos, que responsabilidades eu tenho?

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Eduardo Suplicy – Primeiro, tem uma responsabilidade de fiscalizar os atos do governador, do seu governo, dos seus secretários, e sempre que houver algum problema sério, como por exemplo, nesses últimos dias, ele tem a vontade de privatizar a Sabesp, e que exemplos temos tido de uma empresa privatizada que está causando tantos problemas na cidade de São Paulo? A Enel, que está deixando diversas áreas, tanto do centro como do Brás, da Bela Vista, de Vila Buarque e outras, sem energia por diversos dias.

Eduardo Suplicy – (…) É um exemplo de como uma empresa privada não agiu com a responsabilidade que poderia ter uma empresa pública e com a direta responsabilidade do prefeito que está preocupado porque a sua imagem acaba sendo derrubada por fatos como esse.

Eduardo Suplicy – Uma primeira função é de fiscalizar os atos do poder executivo. A outra função muito importante é legislar. Legislar significa que você pode tanto apreciar, debater, modificar, votar a favor ou contra os projetos que são apresentados, pelo governador, pelo Poder Executivo e também por seus colegas na Assembleia Legislativa.

Em São Paulo, são 94 os vereadores e cada um apresenta seus projetos e então eu tenho a responsabilidade de votar sim ou não, de debater, de questionar, de melhorar cada proposta.

conta Eduardo Suplicy na entrevista.

Eduardo Suplicy – E aí, então, temos as funções de fiscalizar, de legislar, e a outra função é a de representar o povo, que é, a cada momento, dia e hora, e circunstâncias, como agora estou falando para quem te representa do programa de vocês. (…) Eu sou bastante convidado para fazer palestras a respeito das proposições que tenho, como, por exemplo, como construir uma sociedade, um Brasil justo, civilizado e fraterno, que são objetivos muito importantes na minha vida política, na minha vida pessoal. Então, que instrumentos de política econômica podem elevar o grau de justiça na sociedade para criarmos um Brasil justo, solidário e fraterno?

Eduardo Suplicy – Quando eu estou falando sobre isso, por exemplo, eu estou agindo como um representante do povo. Se eu cometer um deslize, se eu atravessar a rua no sinal vermelho, se eu falar alto num lugar onde se pede silêncio, desrespeitar uma pessoa na rua, ou num teatro, ou no cinema, ou aqui, agora, conversando com vocês, eu tenho a responsabilidade, como representante do povo, por todos os meus atos e palavras. Então, felizmente, o que eu posso lhes dizer é que eu tenho me sentido muito bem, nos lugares onde eu tenho estado.

Eduardo Suplicy – Hoje, de tarde, estive na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde houve uma assembleia promovida pela ouvidoria da polícia em São Paulo, especialmente pelas ações que têm acontecido ali na Baixada Santista. (…) O Salão Nobre estava inteiramente lotado, acho que havia cerca de mil pessoas, pelo menos, assistindo essa plenária em que, por exemplo, nós pudemos ouvir mais de 10 mães que perderam os seus filhos em circunstâncias de tiros de policiais e muitas vezes sem que houvesse qualquer indicação de que aquele rapaz tivesse cometido um crime ou algo assim (…)

Eduardo Suplicy – Então, ao estar lá, ouvindo e, inclusive, convidado a falar, eu estou exercendo o meu papel de representante do povo, no caso de como Deputado Estadual, que tem a função de estar fiscalizando o que se passa na Secretaria de Segurança Pública com o coronel Guilherme Derrite, que é o secretário da Segurança Pública. 

Eduardo Suplicy – Eu ali tive a oportunidade de falar que por todo o levantamento que existe a respeito dos efeitos das câmaras, câmaras que os policiais militares devem utilizar, se sabe que houve muito menor índice de mortes tanto de PMs quanto de pessoas em geral com o uso das câmaras, que faz tornar maior a responsabilidade do policial militar que está agindo na hora de prender qualquer pessoa ou enfrentar algum conflito, coisa assim.

Ou seja, e se eu fizer uma bobagem, se eu machucar alguém ou se eu usar palavras indevidas, ofensivas a quaisquer seres humanos, isso também vai pesar sobre a minha pessoa como representante do povo, Mas, felizmente, o que eu posso lhe dizer é que eu tenho me sentido assim muito carinhosamente [recebido], as pessoas me cumprimentam, elogiam o meu trabalho em praticamente todas as áreas que eu frequento, se eu entro num restaurante, se eu entro num cinema, se eu vou andar no ônibus ou no metrô, é comum que as pessoas cheguem perto, peçam para tirar fotografia e são e muito raramente, quase nunca recebo críticas assim nos lugares públicos onde eu esteja.

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O entrevistado Eduardo Suplicy é paulista e o oitavo de 11 filhos. Sua mãe optou por tê-lo em casa. Ele teve uma formação católica, mas respeita todas as religiões. Seus pais enfatizavam a importância da união familiar e valores que transcenderiam os muros da casa. Esses ensinamentos influenciaram sua vida desde a infância.

Eduardo Suplicy – Bem… eu nasci em São Paulo, em 21 de junho de 1941. Morava numa boa casa, eu e minhas irmãs e irmãos. Meus pais, Paulo Cochrane Suplicy e Filomena Matarazzo Suplicy, tiveram 11 filhos, eu sou o oitavo de 11 filhos e filhas. Éramos seis homens e cinco mulheres, agora somos oito, três já faleceram. Minha mãe resolveu me ter quando eu morava na casa onde depois eu vivi tantos anos … mas a minha mãe resolveu que ela iria me ter não na maternidade, mas na casa onde ela morava… na Alameda Casa Branca, esquina com Alameda Santos. 

Ela me disse que tudo correu bem mas eu dei muito trabalho porque eu nasci com a cabeça muito grande. Mas eu tive com meus pais uma formação cristã, católica, eu sou católico até hoje, e frequento a missa, a igreja, mas também tenho o maior respeito por todas as religiões, inclusive afro-brasileiras, como candomblé, e todas as demais.

Meus pais costumavam reunir os filhos e filhas, assim, pelo menos uma vez por semana, para rezar uma oração para Jesus, Nossa Senhora, e costumavam dizer da importância que nós fôssemos sempre muito unidos, fraternos, amigos, não é? Mas também meus pais me ensinaram que estes valores deveriam ir para além dos muros de nossa casa, não é?

Então, eu, desde menino, fui levando em conta estes ensinamentos.

conta Eduardo Suplicy na entrevista.

Eduardo Suplicy – Meu pai foi, por 30 anos, presidente da Fundação Casa do Pequeno Trabalhador. Ele era, de um lado, um corretor bem-sucedido, que fundou o Escritório Splicy em São Paulo, tal como havia em Santos, que o meu avô, Luís Suplicy, tinha criado o Escritório Suplicy em Santos, e meu pai, em 1937, em São Paulo [fundou] o escritório de corretagem de café, algodão e outras commodities. Mas também foi presidente da Fundação Casa do Pequeno Trabalhador e que cuidava de aproximadamente 500 meninos de 10 a 15 anos, em geral moradores de favelas ou de famílias pobres, e que lá passavam parte do dia realizando um trabalho de guardinha de automóveis ou de engraxate, e a outra parte estudava. E eu, por vezes, ia lá visitar com o meu pai e notava que os meninos o abraçavam como sendo um segundo pai.

O pai de Eduardo Suplicy estava envolvido em atividades sociais, incluindo o movimento pela desfavelização de São Paulo. Eduardo continuou sua formação católica, estudando na escola Nossa Senhora das Graças e no Colégio São Luís. Aos 14 anos, convidou Dilson Domingos Funaro para ser seu padrinho de crisma. Funaro posteriormente se tornou ministro da Fazenda.

Eduardo Suplicy – Meu pai participou de inúmeras entidades preocupadas com as organizações sociais que ajudavam os mais carentes, e eu também fui observando fatos. (…) E meu pai, quando participou do movimento pela desfavelização de São Paulo, mostrava-se preocupado também com o problema de moradia e tal. 

Eduardo Suplicy – E eu estudei na escola Nossa Senhora das Graças, quando era chamado Gracinha, que ficava na Rua Maranhão, em frente, a Igreja Santa Terezinha, e lá fiz desde a admissão até o quarto ano primário. Depois, até o terceiro colegial científico, eu estudei no Colégio São Luís, onde continuei minha formação cristã, católica. Inclusive, lá, aos 14 anos, eu fui crismado e convidei para ser padrinho de crisma o Dilson Domingos Funaro, que era noivo e depois se casou com minha irmã Ana Maria, foi industrial, foi ministro da Fazenda no governo José Sarney. E eu, quando me crismei, me tornando amigo dele, o convidei para ser padrinho de Crisma. 

Então ele me deu de presente um livro, “A História de Galileu Galilei”. E eu resolvi ler e tive enorme interesse na história de Galileu Galilei e me lembro de, na época, também ter assistido a um filme sobre a história de Nicolau Copérnico.

Há uma cena do filme onde a filha, a mãe, a esposa perguntam, mas por que você fica aí dizendo que a Terra é redonda, que a Terra não é o centro do universo? Você não está vendo que está incomodando as autoridades, está incomodando a igreja? Ah, é porque eu quero muito saber a verdade. E por que tanto você quer saber a verdade? Porque é uma coisa humana.

conta Eduardo Suplicy na entrevista.

Eduardo Suplicy – Isso aí me marcou, a história de Nicolau Copérnico e Galileu Galilei, pela extraordinária forma como eles queriam descobrir a verdade e foram responsáveis por tantos avanços científicos na história da humanidade.

Eduardo Suplicy – Concluído o científico, eu fui fazer a faculdade… Primeiro pensei em fazer engenharia, mas a hora que eu conheci a Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, eu me interessei e passei no vestibular, e ali tive momentos bastante importantes na minha formação. Após concluir os dois primeiros anos, eu disse aos meus pais, olha, vai acontecer o Festival da Juventude pela Paz e Amizade em Helsinki, na Finlândia, um festival organizado pelos partidos progressistas do mundo naquela época. E existe a possibilidade de uma excursão pela Europa Ocidental e Oriental. E eu pensei que eu gostaria muito de conhecer, afinal, o que é o progresso do mercado europeu (…), e também gostaria de conhecer o que se passa na União Soviética, na Rússia, na Polônia, Tchecoslováquia, Hungria, Bulgária, Iugoslávia, e então pedi a meus pais que pudessem me dar essa possibilidade.

Após esta viagem, cheguei à conclusão de que, sim, será possível construir uma sociedade mais justa, com menos desigualdade, erradicar a pobreza e esses objetivos, mas será importante fazê-lo por meios da democracia, por meios sempre pacíficos, sempre procurando confrontar a força física com a força da alma, conforme a recomendação de Martin Luther King Jr. num dos mais belos discursos da história da humanidade, I Have a Dream (Eu Tenho um Sonho).

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Eduardo Suplicy – E eu parei um semestre de estudar para fazer essa viagem e conheci muito dos progressos dos países europeus e de como alguns estavam caminhando, governados por governos que propunham o socialismo e tal. E eu também visitei, por exemplo, Alemanha Ocidental, Alemanha Oriental. Fiquei lá por umas duas semanas e observei, inclusive, o muro de Berlim.

Eduardo Suplicy – Então, eu voltei; fui diretor cultural do Centro Acadêmico de Administração de Empresas, e depois os colegas da FGV disseram: “olha, será bom você ser o presidente do Centro Acadêmico”. Aí, de 1963 para 1964, fui presidente do Centro Acadêmico e fui me interessando mais e mais por estudar ou como poderia melhorar o Brasil. Quando eu me casei, em dezembro de 64, me formei naquele ano e fui trabalhar no escritório Suplicy de meu pai e ali procurei desenvolver um setor de exportação de produtos manufaturados.

Mas quando chegou fevereiro de 1966, surgiu na escola onde eu havia estudado, na FGV, um concurso para ser professor de economia. Então, eu conversei com meus pais: “olha, eu gostaria muito de fazer esse concurso, porque se eu passar, eu vou poder fazer possivelmente um mestrado, doutoramento em economia nos Estados Unidos”. E meu pai observou: “olha, filho, veja bem se é o que você quer, porque ser professor não vai lhe dar o padrão de vida que você está acostumado, mas se achar que é o que vai lhe deixar feliz, eu vou te apoiar.”

conta Eduardo Suplicy na entrevista.

Eduardo Suplicy se tornou professor e fez mestrado em economia nos EUA. Ele retornou ao Brasil para concluir seus estudos e, em seguida, recebeu uma bolsa para estudar em Stanford por um ano. Depois, concluiu seu doutorado na Michigan State University.

Eduardo Suplicy – Então, eu fiz o concurso, passei e me tornei professor, de carreira da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas. Já em agosto daquele ano, eu viajei para os Estados Unidos, para a Michigan State University, onde fiz o mestrado em economia. (…) Já tínhamos estado lá por dois anos, eu era casado com a Marta e tinha o Eduardo, que é o Supla, né, e aí ele foi primeiro para lá com cinco meses de idade. Mas aconteceu que a Marta disse: “olha, que tal voltarmos para o Brasil? E eu completo em mais dois anos o meu curso e graduação em psicologia, daí a gente volta, você completa o PhD e eu faço mestrado em psicologia”. E assim o fizemos.

Eduardo Suplicy – Então voltamos ao Brasil no segundo semestre de 68 e no ano 1970 eu recebi uma scholarship (bolsa) da Universidade de Stanford para ali permanecer por um ano estudando o que eu quisesse. Ainda fui convidado, ao terminar esse período, para dar um curso de economia brasileira na Universidade de Stanford, no Food Research Institute, e aceitei. E daí fui de volta para o Michigan State, onde em 1972, 1973, completei o meu doutoramento com a tese “Os Efeitos das Minidesvalorizações sobre a Economia Brasileira”.

Eduardo Suplicy lecionava na Fundação Getúlio Vargas e escrevia artigos para a Folha de São Paulo. Em 1976, após uma sugestão de amigos, ele se envolveu na campanha para vereador de Flavio Bierrenbach. Posteriormente, ingressou no MDB, sendo eleito deputado estadual em 1978. Continuou lecionando mesmo após se tornar senador, vereador e deputado. Participou da fundação do PT em 1980 e foi eleito deputado federal em 1982, durante o período da campanha pelas Diretas Já.

Eduardo Suplicy – Então, ao voltar ao Brasil, em 1974, segundo semestre, passei a dar aulas tempo integral na Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da FGV, e eis que, então, Samuel Weiner e Jorge da Cunha Lima convidaram para que eu e outros economistas amigos que escrevêssemos alguns artigos sobre a política econômica e economia no jornal Última Hora. Então eu aceitei e passei a escrever alguns artigos. Quando foi em 1975, O Rolf Kuntz, que era editor da revista Visão, me convidou para ser o editor de economia da revista Visão. E eu aceitei e combinava sempre o meu horário de trabalho, tanto para bem-elecionar na GV e ser editor de economia, que escrevia também artigos na revista Visão. Quando chegou 1976, final de 75, começo de 76, Cláudio Abrão, que era o editor da Folha de São Paulo, me convidou para ser redator de artigos de assuntos econômicos na Folha de São Paulo, onde também escrevia Joel Mirbetti, e eu então passei a escrever três, quatro artigos por semana na Folha de São Paulo sobre a política econômica brasileira.

Eu, de manhã e de tarde, ia na GV como professor e, no final da tarde, ia para a Folha de São Paulo e via quais eram os acontecimentos e escrevia algum artigo. E daí, quando chegou em outubro de 1976, com amigos, eu participei da campanha para vereador de Flavio Flores da Cunha Bierrenbach, que depois foi deputado estadual, federal, ministro do Superior Tribunal Militar, e eu tinha afinidade com ele e com os amigos, e quando estávamos comemorando a sua votação e vitória para ser eleito vereador numa pizzaria em Moema, aí alguns amigos vieram à minha mesa e disseram, “olha, nós estávamos pensando quem é que deve ser candidato na próxima, em 78, e como os seus artigos estão sendo muito lidos na Folha de São Paulo, sobretudo pelos jovens, achamos que você deve considerar”.

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E eu então fui conversar com Ulysses Guimarães, André Franco Montoro, Plínio de Arruda Sampaio, Chopin Tavares de Lima. O que é ser um representante do povo, um deputado? Me interessei e me inscrevi no MDB. Naquele tempo só tinha MDB e Arena. Arena que apoiava o regime militar e MDB que queria a democracia, e fui eleito, acho que fui o terceiro ou quarto mais votado, com mais de 70 mil votos pela primeira vez, deputado estadual na mesma Assembleia Legislativa onde eu estou agora. 

conta Eduardo Suplicy na entrevista.

Eduardo Suplicy – E aí as coisas caminharam bem e eu sempre continuei a lecionar pelo menos um curso enquanto senador, vereador, [deputado] federal, [deputado] estadual. Sempre continuei a lecionar na escola até dezembro de 2012, quando por minha idade e colaboração, a FGV me aposentou como professor. Mas eu continuo a dar muitas aulas e palestras por São Paulo e pelo Brasil afora.

Eduardo Suplicy – Ah, daí aconteceu o seguinte, em fevereiro de 1980, foi fundado o PT. E já em 1979, eu e cinco outros deputados estaduais que havíamos sido eleitos [pelo MDB], mas de um campo mais progressista, como Irma Passoni, João Batista Breda, Marco Aurélio Ribeiro, Serginho Santos e Geraldo Siqueira, nós seis, fomos convidados por aqueles que estavam formando o Partido dos Trabalhadores para participarmos da sua fundação lá no Colégio Sion, em 10 de fevereiro de 1980. Presentes Mário Pedrosa, o Buarque de Holanda, o pai do Chico Buarque de Holanda, Madre Maria Cristina, Olívio Dutra, Jacob Itá, Luiz Inácio Lula da Silva… Então, eu participei da fundação do PT, partido no qual estou até hoje.

Eduardo Suplicy – Em 1982, eu fui eleito deputado federal pelo PT, numa bancada que tinha Beth Mendes, Irma Passoni, Ayrton Soares, João Eudes, José Genuíno e outros. Naquele período, 83, 84, 85, foi o período da campanha por diretas, por eleições livres e diretas.

Logo que cheguei à Assembleia Legislativa de São Paulo, um dos principais objetivos que eu tinha foi justamente de reivindicar eleições livres e diretas para prefeito, para governador… Porque o prefeito era indicado pelo governador e o governador eleito indiretamente. Então, nós, deputados estaduais, tínhamos que aprovar ou não o Reinaldo Ibarros, que o Paulo Maluf tinha indicado para ser prefeito. E nós nos opusemos veementemente, querendo que houvesse eleições livres e diretas.

Mas em novembro 83, que houve o primeiro grande comício pelas Diretas Já, eu estava lá participando, assim como o segundo grande comício pelas Diretas Já, em 25 de janeiro, lá defronte à Catedral, na Praça da Sé. Depois participei do Comitê das Diretas já, na Candelária, 1 milhão de pessoas, no Vale do Anhangabaú, em 25 de abril. Foi em abril daquele ano, de 84 que infelizmente, acho que por falta de 22 votos, embora eu tenha votado a favor, não conseguimos aprovar naquele ano a eleição direta em todos os níveis.

conta Eduardo Suplicy na entrevista.

Eduardo Suplicy – E aí aconteceu que, em 1985, o PT indicou-me para ser candidato a prefeito de São Paulo, juntamente com a hoje deputada federal, Luiza Erundina, que era candidata a vice-prefeita. Naquele ano, Jânio Quadros foi eleito com 37% dos votos, Fernando Henrique teve 34% e eu tive 20%. Fui crescendo bastante, mas fui o terceiro colocado.

[Em 88] elegemos 15 deputados estaduais pelo PT, dois do PCdoB, um do PCB, alguns mais do PSB, e eu também fiquei amigo de Éder Jofre, que era do PSDB, mas ele elegeu-me com os demais, presidente da Câmara Municipal de São Paulo. Então, em 89, 90, eu ali, coloquei em prática a norma da transparência em tempo real, que é a melhor maneira de prevenir irregularidades.

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Eduardo Suplicy – Em 1986, o PT indicou-me para ser candidato a governador, mas foi eleito Orestes Quércia primeiro, Antônio Ermírio de Moraes segundo, Paulo Maluf em terceiro e eu fui o quarto, com 10% dos votos. Daí voltei a ser professor tempo integral ali na Fundação Getúlio Vargas. Mas quando chegou 1988, o PT veio a mim e disse: “olha, que tal você ser candidato a vereador para ajudar a eleição de Luiza Erundina, que é a nossa candidata a prefeita” (…). Eu aceitei, tive 201 mil votos.

Eduardo Suplicy foi eleito senador em 1990, sendo reeleito em 1998 e 2006. Seu principal objetivo era erradicar a pobreza, apresentando um projeto de lei em 1991 para instituir um programa de garantia de renda mínima. Esse projeto, inspirado por José Márcio Camargo, propunha garantir uma renda às famílias carentes desde que as crianças frequentassem a escola, inspirando programas em nível estadual e municipal.

Eduardo Suplicy – E por tudo que lá aconteceu naqueles dois anos, quando chegou 1990, o presidente Lula e o PT me disseram, olha, você está muito bem na opinião pública, que tal você ser um nosso candidato ao Senado? Eu aceitei ser candidato a senador em 1990 e tive 4 milhões e 200 mil votos, enfrentando André Franco Montoro, João Cunha, o ex-prefeito de Osasco e outros, mas tive uma boa votação e daí fui oito anos senador. Reeleito em 1998 e (…) 2006 também. Cada vez por oito anos.

E dentre os principais objetivos que eu tive como senador estava justamente o de erradicar a pobreza e promover maior desenvolvimento econômico e social de forma mais justa e igualitária. E eu, então, apresentei em abril de 1991 um primeiro projeto de lei para instituir um programa de garantia de renda mínima através de um imposto de renda negativo.

Toda pessoa adulta com 25 anos ou mais passaria a ter o direito de receber 50% da diferença entre o patamar de 150 – o patamar era de 45 mil cruzeiros da época, equivalentes a pouco mais do que dois salários mínimos – e o nível de renda da pessoa.

conta Eduardo Suplicy na entrevista.

Eduardo Suplicy – O projeto teve o parecer favorável do então senador Maurício Correa, líder do PDT, que depois foi ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal e foi aprovado após quatro horas e meia de debates no Senado, em 16 de dezembro de 1991, inclusive com discursos memoráveis de José Paulo Bisol e de Fernando Henrique Cardoso, que votou a favor, e foi para a Câmara dos Deputados. Recebeu o parecer favorável do deputado Germano Rigotto, do MDB, que depois foi governador do Rio Grande do Sul; deu um parecer favorável, entusiasta… Mas aconteceu que em agosto de 1991, o Walter Barelli, ex-diretor do DIEESE, que havia sido coordenador do programa de governo paralelo de Lula, que havia perdido a eleição para Fernando Collor de Mello, convidou cerca de 50 economistas simpatizantes do PT para uma reunião em Belo Horizonte.

Eduardo Suplicy – E na ocasião, eu juntamente com Antônio Maria da Silveira, que me ajudara na elaboração do projeto (…) Eis que, então, o professor, até hoje, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, o professor José Márcio Camargo, ponderou comigo: “Olha, Eduardo, será bom a garantia de uma renda, mas seria interessante nós começarmos a garantir uma renda para as famílias carentes desde que as suas crianças estejam frequentando a escola, porque um dos maiores problemas brasileiros hoje é o número tão grande de pais que não tendo como dar de comer para suas crianças em casa, resolvem colocá-las para trabalharem precocemente desde os 7, 8, 9, 10 anos de idade. Se nós provermos a garantia de uma renda às famílias carentes desde que as crianças estejam indo à escola, nós iremos colaborar para cortar um dos círculos viciosos da pobreza.”

Eduardo Suplicy – E ele escreveu sobre essa proposta para a Folha de São Paulo em 91, e outro artigo em 93. Em 95, o então governador eleito pelo PT, Cristovam Buarque, no Distrito Federal, e também o prefeito do PSDB em Campinas, José Roberto Magalhães Teixeira, ambos iniciaram programas de garantia de renda mínima associados à educação conforme José Márcio Camargo havia proposto. Esse exemplo frutificou inúmeros outros municípios que acompanharam como Ribeirão Preto, Belo Horizonte, Jundiaí, Mundo Novo, Caxias do Sul, Belém, e tantas outras cidades, e lá no Congresso Nacional apareceram seis projetos, três de deputados – Nelson Marchezan, Chico Vigilante e Pedro Wilson e no Senado Federal de José Roberto Arruda e de mais dois outros senadores na época.

Eduardo Suplicy conheceu a proposta da Renda Básica em 1994, durante o 5º Congresso Internacional da BIAM em Londres, convidado pelo professor Filipe Van Pares. Em 1996, ele solicitou uma audiência com o presidente Fernando Henrique Cardoso para discutir o tema. Van Pares explicou a Cardoso que garantir uma renda às famílias mais necessitadas seria um investimento em capital humano, incentivando a educação das crianças.

Daí aconteceu que, em 1994, veio a São Paulo o professor Filipe Van Pares, que é autor deste livro Renda Básica, uma proposta radical para uma sociedade livre e economia sana. E ele me convidou para estar participando do 5º Congresso Internacional da BIAM em Londres, em dezembro de 1994. E eu, então, estive ali e conheci melhor a proposta da renda básica, e eis que mais e mais estudei este assunto.

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Eduardo Suplicy – Quando, em 1996, Filipe Vampares fez uma visita ao Brasil, ele que é professor, filósofo e economista da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, quando ele veio, em 1996, outra vez ao Brasil, eu solicitei uma audiência com o presidente Fernando Henrique Cardoso, que o recebeu com a sua equipe, e Paulo Renato Souza e a equipe, Ministro da Educação. Então, em 50 minutos aproximadamente, Filipe Vampares explicou ao presidente Fernando Henrique Cardoso que o objetivo maior será um dia chegarmos à renda básica universal para todas as pessoas, mas iniciar a garantia de uma renda, começando pelas famílias mais necessitadas seria um investimento em capital humano na medida em que as crianças estivessem indo para a escola.

Eduardo Suplicy – Então, Fernando Henrique deu o sinal verde para a aprovação, por mim, pelo Congresso Nacional, todos os partidos, do primeiro programa de renda mínima associado à educação, que se denominou Bolsa Escola, conforme Cristovam Buarque havia denominado, e a lei chamou-se Luiz Roberto Magalhães Teixeira em homenagem ao prefeito pioneiro em Campinas que havia falecido. Pouco depois veio o programa Bolsa Alimentação relacionando as vacinas. Os pais deveriam levar as crianças até seis anos de idade para tomar as respectivas vacinas de acordo com o calendário do Ministério da Saúde. Então também foi estendido o que pagava o Bolsa Escola para os pais de famílias com crianças vacinadas. Também veio o auxílio gás para proporcionar às famílias carentes o pagamento do gás de cozinha.

E, quando veio a vitória do presidente Lula em 2002, em 2003 ele lançou o programa Fome Zero com o ministro José [Graziano]. O programa Cartão Alimentação, lançado em fevereiro de 2003, provia R$ 50,00 com um cartão de alimentos chamado Cartão Alimentação, onde os 50 reais por mês só poderiam ser gastos com alimentos. Mas quando chegou outubro de 2003, tendo em conta a recomendação da sua equipe interministerial, o presidente Lula resolveu criar o Bolsa Família, unificando e racionalizando aqueles quatro programas, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás, Cartão Alimentação.

conta Eduardo Suplicy na entrevista.

Eduardo Suplicy – Pois bem, em dezembro de 2013 havia 3 milhões e meio de famílias beneficiárias do programa Bolsa Família, que foi crescendo, crescendo, crescendo, até chegar em 2014-2015, a 14 milhões e 200 mil famílias ou mais. Durante todo esse período, o índice de desigualdade da economia brasileira foi diminuindo gradualmente, assim como também foi diminuindo o grau de pobreza absoluta e de pobreza extrema no Brasil, a ponto de a ONU ter declarado que o Brasil em 2014 para 2015 tinha atingido o estágio de fome zero.

Eduardo Suplicy se convenceu de que a Renda Básica Universal seria a melhor solução e apresentou um projeto nesse sentido em dezembro de 2001. Em diálogo com o senador Francelino Pereira, este sugeriu adaptações para torná-lo compatível com a Lei de Responsabilidade Fiscal, propondo que fosse implementado por etapas, começando pelos mais necessitados, como o programa Bolsa Família.

Eduardo Suplicy – Bem, mais e mais estudando esse tema, eu fiquei persuadido de que melhor ainda do que o programa de garantia de renda associado à educação e à saúde, que são aspectos positivos, mas melhor ainda será quando tivermos a renda básica universal, incondicional. E resolvi apresentar em dezembro de 2001 um novo projeto para instituir um programa de renda básica de cidadania.

Eduardo Suplicy – Mas, no diálogo com o relator, o senador Francelino Pereira, um dia ele chegou para mim e disse: “Olha, Eduardo, eu quero muito estudar seriamente a sua proposta. Eu não serei mais candidato, estou com 81 anos, mas eu quero estudar bem” (…). Então, eu dei pra ele esse meu livro [“Renda de cidadania: a saída é pela porta”, Suplicy, E.M.], que estava na primeira edição, lançado em fevereiro de 2002, em Porto Alegre, no Fórum Social Mundial, e eu transmiti a ele que agradecia muito.

Eduardo Suplicy – Ele estudou e disse, “é uma boa ideia Eduardo, mas você precisa torná-la compatível com a lei de responsabilidade fiscal, pela qual para cada despesa precisa haver a receita correspondente. Que tal você acrescentar um parágrafo dizendo que será instituída por etapas a critério do Poder Executivo, começando pelos mais necessitados”, portanto, como o fazia o programa Bolsa Família e o faz até hoje.

Então, eu aceitei e graças a este parágrafo o projeto de lei foi aprovado por consenso no Senado, acho que só umas duas ou três abstenções, em dezembro de 2002 e em novembro de 2003 foi aprovada praticamente por consenso, inclusive com voto do Jair Bolsonaro, que nada falou contra.

Foi aprovado pela Câmara dos Deputados em novembro de 2003 e em oito de janeiro de 2004 foi sancionada a lei pelo presidente Lula numa belíssima cerimônia onde estiveram presentes inclusive o professor Felipe Vampárez que veio da Bélgica o principal fundador da Rede Mundial da Renda Básica e quem também havia sido convidado para estar presente à cerimônia. Inclusive minha mãe estava lá aos 95 anos de idade.

conta Eduardo Suplicy na entrevista.

Eduardo Suplicy – Mas aquele que é considerado por muitos o maior economista brasileiro, Celso Furtado, que se encontrava na Universidade de Sorbonne dando um curso, ele encaminhou a seguinte mensagem para o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Neste momento em que vossa excelência sanciona a lei de renda básica da cidadania, quero expressar a minha convicção de que, com essa medida, nosso país coloca-se na vanguarda daqueles que lutam pela construção de uma sociedade mais solidária. Com frequência, o Brasil foi referido como um dos últimos países a abolir o trabalho escravo. Agora, com esse ato, que é fruto do civismo e da ampla visão social do senador Eduardo Matarazzo Suplicy, o Brasil será referido como o primeiro que institui um sistema de solidariedade tão abrangente e, ademais, aprovado pelos representantes de seu povo.
Celso Furtado
Economista

Eduardo Suplicy – Então, bom, só que eu lhes pergunto, Ygor Lioi e Viviane Freitas, vocês já estão recebendo a renda básica universal e incondicional suficiente para atender às suas necessidades vitais? Por favor, me respondam.

Eduardo Suplicy sugeriu ao presidente Lula a criação de um grupo de trabalho para estudar a implementação da Renda Básica de Cidadania, conforme previsto na Lei 10.835 de 2004 e na Lei 14.601 de 2023. Ele argumenta que a renda básica garantiria a todos, uma renda suficiente para atender suas necessidades vitais, e propõe um grupo com diversos especialistas para debater o assunto.

Eduardo Suplicy – Mas poderão vir a receber em breve. Por que razão? Eu tenho sugerido, enviei uma carta ao presidente Lula, em outubro passado, sugerindo a ele que organizasse um grupo de trabalho que pudesse estudar os passos previstos tanto na lei 10.835 de 8 de janeiro de 2004, como também na lei 14.601 de junho de 2023, que foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Lula, publicada no Diário Oficial em junho de 2023, e que diz que fica extinto o programa Auxílio Brasil, reinstituiu o programa Bolsa Família e define o programa Bolsa Família como um passo na gradual implementação da universalização da renda básica de cidadania o direito de toda e qualquer pessoa, não importa sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou socioeconômica, de participarmos todos da riqueza comum de nossa nação, através de uma renda que, na medida do possível, com o progresso do país, será suficiente para atender às necessidades vitais de cada pessoa.

A ninguém será negado. Nem para o Ygor, nem para a Vivi, nem para o mais bem-sucedido empresário de São Paulo e do Brasil, para a Xuxa, para o Pelé, se fosse vivo. Sim, todos vamos receber. Só que aqueles [nós] que [têm] temo maior riqueza e renda, vamos colaborar para que nós próprios e todos os demais venham a receber. E daí vem as grandes vantagens da Renda Básica de Cidadania, que estão muito bem colocadas, tanto no meu livro Renda de Cidadania: a saída é pela porta, da Cortez Editora e Editora Fundação Perseu Abram, como também neste livro Renda Básica uma proposta radical para uma sociedade livre, uma economia sã, publicado pela Cortez Editora e pela Fundação Perseu Abrão, uma obra dos professores Filipe Ivan Pérez e Yannick Van der Bort, ambos da Universidade Católica de Louvain.

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Eduardo Suplicy – Aí aconteceu que, em outubro, mandei a proposta ao presidente Lula e aos ministros da área econômica e social, de direitos humanos e do meio ambiente, para que possa ser criado um grupo de trabalho. Eu sugeri cerca de 100 nomes, dentre os melhores estudiosos, economistas, filósofos e coordenadores de movimentos sociais, como o Movimento Nacional da População e Situação de Rua, e pessoas como Frei Betto, Padre Júlio Lancelotti, Leonardo Boff, Aldaíza Sposati e Pérsio Arida. e Leandro Ferreira, presidente da Rede Brasileira da Renda Básica, Paola Camargo e tantas pessoas, tantos estudiosos das propostas de transferência de renda e favoráveis renda básica universal, uma ideia que vem sendo cada vez mais apoiada por grandes economistas e, sobretudo, laureados com o Prêmio Nobel de Economia.

Eduardo Suplicy – Então, quais são, eu lhes pergunto, Vivi e Ygor, quais as grandes vantagens da Renda Básica de Cidadania em relação, digamos, a um programa que tem muitos méritos, como o Bolsa Família. Por que vai ser ainda melhor?

Se quiser conhecer mais sobre o debate da renda básica no Brasil, confira a segunda parte da entrevista aqui no site.

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