Natalia Brito
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Especializando em Direito Ambiental pela Puc-rio. Atua na Gerência de Mudanças Climáticas e Serviços Ecossistêmicos da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado de Goiás. Coordenadora do Núcleo de Advocacy, Ações e Parcerias da A Vida no Cerrado (AVINC) e Coordenadora de conteúdo de educação política da Quem te Representa.
Em colaboração com
Vitor Sena
Biólogo e mestre em Ecologia pela Universidade de Brasília. Especializando em Direito Ambiental pela Puc-rio. Tem o Cerrado como seu lar, objeto de estudo e de trabalho. Hoje, assessora em projetos de licenciamento ambiental federal e está como um dos coordenadores de advocacy da OSC A Vida no Cerrado. Além de atuar em diversas coalizões da sociedade civil, sempre com foco em cidadania ambiental, sustentabilidade e conservação socioambiental.
Escolha gestores comprometidos com a implementação de medidas que valorizem a natureza
Ao mesmo tempo em que contribui para a drenagem urbana, o parque também traz solução para outros desafios da cidade: promove áreas verdes urbanas, lazer e recreação e mobilidade urbana sustentável. Diante de todos esses benefícios, parques são classificados como uma Solução baseada na Natureza (SbN).
As SbN são intervenções que empregam os processos naturais dos ecossistemas saudáveis para enfrentar os desafios contemporâneos.
Devem favorecer a biodiversidade e promover uma variedade de serviços ecossistêmicos para melhorar a qualidade de vida humana e de todos os seres vivos. São multifuncionais, indo além da solução de problemas específicos e gerando diversos co-benefícios que atendem várias agendas sociais, econômicas e ambientais.
Além de cumprir objetivos específicos, contribuem para acordos globais como o Acordo de Paris e o Marco de Sendai, bem como para as metas de biodiversidade estabelecidas na 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP15 da CDB), em Kunming, na China. Além de contribuírem com a Agenda 2030 e o atendimento dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
O Plano Diretor Municipal é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana que tem o papel de integrar e articular as questões do território dos municípios como um todo.
É neste documento, portanto, que as SbN devem ser incorporadas de maneira ampla e abrangente, com previsões e indicações claras para detalhamento nos regramentos específicos. A partir destes direcionamentos indicados no Plano Diretor, o regramento é descrito nos planos setoriais e outros instrumentos legais e infralegais que compõem o arcabouço jurídico do Plano Diretor, de modo mais específico.
O Plano Diretor pode incorporar de modo abrangente questões como:
- conceitos e princípios de SbN no entendimento do município;
- listagem de quais agendas e setores podem – ou devem – incorporar a lógica de SbN a partir de instrumentos específicos, como os planos setoriais e seus complementos;
- parâmetros urbanísticos com indicação de possibilidades e requisitos para implementação de SbN;
- indicação de onde e em quais situações as SbN devem ser priorizadas. Por exemplo: determinar que prédios públicos novos – ou um percentual dos já existentes – devem adotar práticas sustentáveis como telhados ou fachadas verdes;
- indicações de criação de corredores de biodiversidade, recomendações de proteção e valorização paisagística de áreas ambientalmente frágeis etc.;
- conceitos, instrumentos e parâmetros norteadores da política urbana que estabeleçam comprometimento do município com os compromissos globais; entre outras.
Embora estejamos falando do Plano Diretor, na prática as SbN podem ser incorporadas em diferentes planos em desenvolvimento ou revisão.
Ou seja, o cronograma de revisão do Plano Diretor não inviabiliza a incorporação das SbN em outros planos – por exemplo, de saneamento, de clima, de adaptação, de habitação, de transporte etc. –, de acordo com as oportunidades apresentadas.
Assim, para maior efetividade e potencialização dos benefícios para sociedade, as SbN devem ser implementadas a partir de um planejamento territorial integrado e conectado a diferentes agendas.
Comparação de custos entre abordagens convencionais e conjunta. Fonte WRI, 2020
O planejamento integrado, por sua vez, não deve ser algo estático, que se encerra com a divulgação de um plano em que estabeleça objetivos, ações, metas e ferramentas de gestão e monitoramento.
É preciso envolver, também, um processo de pensamento, diálogo e intervenção que preveja constante revisão e atualização.
A construção e a consolidação de uma agenda para o desenvolvimento urbano sustentável pressupõem um amplo processo de discussão e de pactuação entre os diversos atores que vivenciam o cotidiano da cidade e que usufruem, de forma bastante desigual, das estruturas e serviços por ela oferecidos. Ao dar voz aos diferentes segmentos sociais, é possível identificar demandas específicas que dificilmente seriam captadas apenas pelo viés técnico.
Nos municípios existe uma série de movimentos e grupos que objetivam a participação social com diversidade de setores, como os Conselhos Municipais de políticas públicas de meio ambiente, saúde, saneamento, segurança pública, habitação, entre outros. A estrutura destes conselhos deve ser aproveitada e, caso não existam em determinada localidade, tem de ser estimulada, pois são fóruns de participação ampliada para debate das políticas públicas.
Desse modo, uma boa governança de iniciativa de SbN reflete em uma ação efetiva e duradoura. Mas para atingir o objetivo, ela abarca diversos aspectos:
- responsabilidade de decisão, planejamento, implementação e gestão;
- definição de etapas, atividades necessárias e regras;
- papeis e forma de comunicação entre os agentes envolvidos;
- estrutura física, institucional e de recursos humanos para viabilizar as ações.
Para esse calorão, existem soluções?
O “superaquecimento urbano severo” é um risco crescente e letal em cidades ao redor do mundo à medida que o aquecimento global piora. Para enfrentá-lo, uma ótima opção são os telhados verdes, que possuem a capacidade de resfriamento devido à bioquímica da transpiração das plantas e à manta isolante fornecida pelas camadas de solo e vegetação sobre telhados, reduzindo a transferência de calor. Além disso, contribuem para a gestão de águas pluviais, melhorando o escoamento, e a biodiversidade, ao atrair e abrigar insetos e aves.
Outra SbN são os parques lineares multifuncionais, que agregam vários elementos da infraestrutura natural (verde e azul) combinados a elementos da infraestrutura cinza em um mesmo espaço. Este tipo de parque se caracteriza como uma intervenção urbanística associada à rede hídrica, acompanhando o curso de rios e córregos.
Eles são obras estruturadoras de programas ambientais e de gestão de áreas degradadas, sendo parte de sistemas integrados conectados por ruas arborizadas, servindo, muitas vezes, como espinha dorsal da infraestrutura verde urbana. Tendo, assim, como principal característica a capacidade de interligar fragmentos de vegetação e outros elementos encontrados em uma paisagem.
Eles, simultaneamente, protegem ou recuperam os ecossistemas lindeiros aos cursos e corpos d’água, controlam enchentes e aumentam a área de solo permeável, permitindo a recarga dos aquíferos subterrâneos.
No mais, a arborização de áreas urbanas, no geral, proporciona a melhoria do conforto térmico, visto que a vegetação interfere sensivelmente no microclima, diretamente pelo fornecimento de sombras e indiretamente por meio de sua transpiração. De modo que comportam-se como focos de frescor, mitigando o efeito das ilhas de calor. A vegetação, ainda, absorve gás carbônico e libera oxigênio, melhorando a qualidade do ar urbano e reduzindo as emissões de gases de efeito estufa.
Exemplos implementados por cidades brasileiras:
1. Belo Horizonte (MG) conta com três jardins de chuva implementados. Agora, a cidade planeja implementar outros 60, a partir de projeto elaborado pela Secretaria Municipal de Política Urbana (SMPU), Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smobi) e pela Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap).
2. Campinas (SP) tem políticas públicas para a resiliência e a biodiversidade que preveem a implementação de SbN, como o Plano Municipal do Verde e o Plano de Ação para Implementação da Área de Conectividade da RMC. Este último foi elaborado com outros 19 municípios de sua região metropolitana e prevê parques lineares, arborização urbana e corredores ecológicos conectando as áreas verdes remanescentes na região, para recuperação da paisagem, de forma integrada e em nível regional.
3. Recife (PE) está implementando um jardim filtrante de 7 mil m². O projeto-piloto irá contribuir diretamente no processo de despoluição local, realizando a filtragem das águas. A iniciativa é um piloto do projeto CITinova, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente, e é implementado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em parceria com a Agência Recife para Inovação e Estratégia (ARIES), Porto Digital e Prefeitura do Recife.
4. Salvador (BA) desenvolveu a estratégia Salvador Resiliente. Prevê a implantação de telhados verdes, SbN para drenagem, ampliação do espaço destinado a hortas e pomares urbanos, entre outras, com ênfase em abordagens participativas e foco em populações vulnerabilizadas e de baixa renda.
5. Anápolis (GO) iniciou, em 2017, um programa para lidar com os desafios concorrentes da falta de água durante a estiagem e de enchentes no período de chuvas. O Pró-Água já recuperou 123 nascentes, plantou mais de 250 mil mudas de árvores nativas do Cerrado, instalou viveiros, jardins sazonais, pomar, cacimbas para canalizar a água da chuva para o lençol freático, além de jardins de chuva em pontos críticos de alagamento na cidade. Uma compostagem municipal converte em matéria fértil 25 toneladas de resíduos orgânicos e 5 toneladas de galhos de podas diariamente, gerando economia de R$ 20 mil reais por mês para os cofres públicos. Os eixos de atuação articulam agendas como conservação de recursos hídricos e da biodiversidade, educação ambiental para redução do risco de queimadas e segurança alimentar.
Se liga, existe um mecanismo tributário que incentiva os municípios a promoverem ações de conservação dos recursos naturais!
As responsabilidades da gestão municipal em nível ambiental são inúmeras e devem atender a um vasto arcabouço jurídico ambiental. Diante deste cenário, alguns Estados da Federação criaram instrumentos de compensação financeira com o objetivo de beneficiar os Municípios.
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) Ecológico é, nesse sentido, uma alternativa aos Municípios enquadrados nessas situações. A adesão ao ICMS Ecológico visa incentivar os Municípios a manterem ações ambientais, sejam elas relacionadas à preservação, à conservação ou à recuperação de áreas verdes, ou a outras ações relacionadas, por exemplo, ao gerenciamento de resíduos sólidos e ao percentual de cobertura do esgoto tratado.
É importante ressaltar que os Estados têm a prerrogativa para aplicar diferentes índices de distribuição de repasses.
Então, é fundamental que os gestores municipais saibam quais são os critérios ecológicos de adesão ao recurso no seu Estado, a fim de que possam intensificar as ações para atendê-los e, dessa forma, receber os repasses de ICMS Ecológico.
Como mencionado, cabe a cada Estado instituir o ICMS Ecológico, sendo que, atualmente, 18 Estados já possuem legislação regulamentando o tema.
Como exemplo de critérios ecológicos aplicados na inclusão e na definição do índice de distribuição desta receita pública estão a criação e a manutenção de unidades de conservação nos Municípios, as ações de reflorestamento, a manutenção dos mananciais de abastecimento público de água ou o destino correto de resíduos, entre outros.
O ICMS Ecológico não é um novo imposto, mas a aplicação de novos critérios de redistribuição de recursos do ICMS aos Municípios, os quais abrangem indicadores relacionados a práticas ambientais, como mencionado anteriormente.
Assim, a política contribui com a justiça fiscal, uma vez que restitui financeiramente os Municípios pelo seu comprometimento ambiental e também oferece a possibilidade de compensação pelas limitações de uso econômico dessas áreas.
O ICMS Ecológico configura-se, portanto, como um excelente aliado aos gestores municipais no auxílio ao desenvolvimento social, econômico e ambiental de seus territórios.
- Implementação, Preservação e Manutenção de Unidades de Conservação Ambiental;
- Implementação, Preservação e Manutenção de Reservas Biológicas, Reservas Ecológicas, Estações Ecológicas, Áreas de Proteção Ambiental (APA), Áreas de Relevante Interesse Ecológico (Arie);
- Áreas Inundadas por Barragens;
- Áreas de Reserva Indígena;
- Territórios Quilombolas;
- Ações de Proteção a Mananciais de Abastecimento Público.
- Participação em consórcios de resíduos;
- Elaboração de Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PGIRS);
- Existência de coleta seletiva;
- Existência de compostagem de resíduos;
- Comprovação da disposição final em aterros sanitários.
E agora município também tem selo sustentável!
O Selo CAIXA Gestão Sustentável é um reconhecimento criado pela CAIXA aos municípios que apresentam indicadores públicos que denotam a aplicação de boas práticas de Governança e Responsabilidade Socioambiental (ESG – Environmental, Social and Governance, em tradução livre Ambiental, Social e Governança) na gestão pública local.
A iniciativa reconhece municípios que adotam soluções eficientes de ESG, com transparência e sustentabilidade, através da avaliação de 21 indicadores, divididos em 4 aspectos:
- ambiental;
- social;
- governança; e
- climático.
Um desses indicadores é a Pegada de Carbono, que mede quanto uma cidade está emitindo de gases que causam o efeito estufa. Essa medição será baseada em dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG).
O objetivo do Selo é reconhecer os municípios que aplicam as melhores práticas de governança e sustentabilidade na gestão pública local, utilizando de maneira responsável os recursos financeiros e ambientais, objetos do Selo, proporcionando aumento do bem-estar e qualidade de vida aos munícipes, associado ao desenvolvimento urbano sustentável.