A Perspectiva de Joice Toyota sobre a representação política e a evolução do setor público
A QTR teve o prazer de receber Joice Toyota, diretora executiva do Vetor Brasil e do Instituto Gesto, que se fundiram e viraram a Motriz, dedicada ao desenvolvimento de políticas públicas e à capacitação de gestores. Joice compartilhou sua visão sobre a complexidade das instituições e os desafios e oportunidades entre o setor público e o terceiro setor. Durante a conversa, ela falou sobre a importância de defender interesses e promover a transformação no contexto político nacional, além de refletir sobre os desafios e oportunidades que surgem nesse ambiente dinâmico.
Como começou a trajetória de Joice Toyota
Eu me comprometi comigo mesma, e eu falei, olha, se eu for capaz de sair dessa realidade, eu queria muito poder mudá-la, porque eu acho que é uma realidade que a gente não deveria ter no Brasil, a gente deveria ter uma educação de qualidade pra todo mundo.
– Afirma Joice Toyota em entrevista.
Como ingressou no setor público
Joice compartilha sua jornada desde sua experiência inicial na Secretaria de Educação do Amazonas, onde percebeu a complexidade e desafios do sistema educacional brasileiro. Ela descobriu que, apesar das dificuldades, é possível implementar mudanças significativas e impactar milhões de vidas. Após sua experiência no governo, ela decidiu sair da consultoria e trabalhou na Secretaria de Educação de Goiás, antes de se dedicar ao empreendedorismo social ao criar o Vetor Brasil. Motivada pelos movimentos sociais de 2013, Joice e seu amigo fundaram um programa para formar novos gestores públicos, que cresceu significativamente. Hoje, ela lidera o Instituto Gesto, refletindo com gratidão sobre suas oportunidades e os desafios enfrentados na busca por transformar o setor público.
Eu aprendi que é possível fazer mudança. Eu olhava praquilo de fora e falava, nossa, é impossível mudar isso tudo, mas uma vez que eu tava lá dentro eu falei, não, dá pra mudar. E por menor que seja essa mudança, ela vai impactar a vida de milhões de pessoas e isso é muito apaixonante.
– Afirma Joice Toyota, a entrevistada
Joice Toyota compartilha sua experiência ao trabalhar na Secretaria de Educação Estadual, onde entendeu a complexidade e os desafios do sistema educacional brasileiro. Ela revela que, apesar das dificuldades, encontrou pessoas dedicadas e comprometidas dentro do governo. Toyota destaca que, apesar dos obstáculos, é possível implementar mudanças significativas e impactantes no setor público, desafiando suas próprias percepções anteriores sobre o trabalho no governo.
Joice – Quando eu estava na escola pública; eu não entendia por que faltava professor, por que faltava carteira, por que faltava merenda, por que faltava livro. Uma vez que fui trabalhar na Secretaria de Educação Estadual, eu entendi, tava super claro, porque assim, é muito caótico o processo como um todo, é um negócio muito difícil, é muito complexo fazer esse sistema todo funcionar no Brasil. E eu aprendi várias outras coisas também.
Joice – Eu aprendi que tinha muita gente muito boa dentro do governo, eu tinha muito preconceito antes de trabalhar no setor público com quem tava lá e conheci muitos heróis que faziam a nossa máquina girar, apesar da gente não ter sistemas tão bons em todos os lugares. E eu aprendi acho que a coisa mais importante foi que é possível fazer mudança.
A Importância de abraçar decisões com leveza
Eu não sei se eu escolhi o caminho certo ou errado, mas uma das coisas que eu sempre lembro e que eu penso, eu queria ter descoberto isso antes, é que muitas das decisões que eu tive que tomar ao longo da minha vida me fizeram fritar muito a cabeça. […] O que eu aprendi depois com o tempo foi que nenhuma decisão é errada. […] Talvez a gente deixe passar uma coisa, mas vai ter outra e tudo mais. Eu acho que eu poderia ter feito isso tudo com mais leveza. […] E se for decisão errada, você vem e faz diferente depois, né?
– Afirma Joice Toyota na entrevista.
Na sua fala, Joice reflete sobre os desafios e as experiências da criação e desenvolvimento do Vetor Brasil, um programa de treinamento em gestão pública. Ela descreve o processo intenso e exigente que envolveu trabalhar durante noites e lidar com horários difíceis enquanto estava estudando em Stanford e seu parceiro estava em Harvard. Joice compartilha a sensação de que, na época, sua ignorância e a crença na sua capacidade de superar obstáculos foram cruciais para o sucesso do projeto. Ela expressa um sentimento de realização e gratidão por ter criado algo que atendeu a uma demanda real dos governos, destacando que a jornada foi marcada por muito trabalho e sorte. Ela também menciona o prazer que sente em ver o impacto do trabalho que realiza, o que reforça sua motivação e compromisso com a causa.
Eu acho que a ignorância me ajudou muito, porque naquela época eu achava que eu era capaz de fazer tudo que era necessário ser feito pra que o Vetor desse certo, e hoje eu tenho certeza que eu não sabia, e hoje não sei, e acho que nunca vou saber, mas a gente continua caminhando, porque tem outras coisas que me motivam. Mas naquela época eu achava que era só uma questão de tempo, eu vou trabalhar 24 horas por dia, e nisso esse negócio vai sair. E no final de fato saiu.
– Afirma Joice Toyota na entrevista.
O Impacto de longo prazo do Vetor Brasil no desenvolvimento de Políticas Públicas e lideranças
Para Toyota, é fundamental o papel da filantropia e do terceiro setor. Mas, na sua percepção, fortalecer governos é mais crucial do que simplesmente expandir o trabalho das ONGs. Ela argumenta que governos, com suas estruturas e representações, estão melhor posicionados para identificar e atender às prioridades da sociedade do que indivíduos com interesses pessoais. Embora reconheça as ineficiências da democracia, como as trocas de governo, Joice acredita que essas são inerentes ao sistema democrático e, portanto, aceitáveis. Ela destaca que, apesar das falhas, é essencial apoiar e trabalhar com os governos para melhorar as políticas públicas, respeitando as prioridades políticas e contribuindo para um desenvolvimento mais eficaz da sociedade.
A gente acha que é muito mais importante apoiar o desenvolvimento da capacidade institucional dos governos do que a gente, como ONG, crescer e fazer as coisas por fora dos governos. O que a gente quer que os governos façam é que os governos desenvolvam as lideranças públicas e encontrem essas pessoas ali dentro, e não a gente fazendo isso através do terceiro setor, da sociedade civil. Então, a gente tá, uma parte bem maior do que a gente faz hoje é focado nisso. E aí, em termos de impacto, o programa Treineio e Gestão Pública, que continua assistindo e tudo mais, a gente fala que tem dois impactos, né? Um é o de curtíssimo prazo, que é uma vez que aquele treineio tá alocado, ele apoia a implementação daquelas políticas públicas, aqueles serviços públicos a acontecerem na prática melhor. Então, esse é o impacto de curto prazo. E no longo prazo, o impacto é que a gente tá desenvolvendo uma liderança pública que tem muito bem formada, que tem uma qualificação que já vem desde a época da seleção e também pela formação do nosso programa, mas que também tem uma boa experiência de governo.
Joice – Ó, no Vetor, antes da fusão, porque a fusão é mais recente, então é muito difícil separar as coisas, a gente sempre teve muito foco em desenvolvimento de lideranças, e no Gesto eles sempre tiveram um foco muito grande em educação, apesar de que no Vetor, 30% de tudo que a gente fazia em desenvolvimento de lideranças estava em educação, que era a maior parte, depois mais 30% estava em gestão, e o resto estava, assim, entre mil coisas, né, tipo saúde, esporte, administração penitenciária, direitos humanos, cultura, todos os temas, todos os outros temas.
Joice – E o Gesto, apesar de ter mais foco em educação, também trabalhava em desenvolvimento de lideranças. Então, essas eram duas agendas que eram comuns, cada um tinha um foco diferente, mas era uma coisa comum entre ambas as organizações. Além disso, a gente começou a olhar pra tudo isso como uma ideia de… meio que de capital humano, né? Essa ideia de a gente conseguir pensar o que a gente faz pra desenvolvimento do Brasil pelos brasileiros, pelas pessoas.
Joice – E isso vai tanto do ponto de vista de educação básica, por exemplo, quando a gente olha mesmo tecnologia, muitas pessoas falam, ah, no futuro a tecnologia, a gente tem que aprender, ensinar a tecnologia pra todo mundo e tal, E aí teve uma época que muitos bootcamps abriram no Brasil e foram atrás. Qual que era o maior desafio dos bootcamps de tecnologia no Brasil, ou dos cursos de formação de DEVs e tudo mais? Não era a parte técnica. Era o fato de muitos brasileiros não tinham o básico do básico da educação.
Joice – A gente falou assim, nossa, se você quer ter mais DEVs no Brasil, você tem que ensinar português e matemática pra pessoa. Porque daí ela vai aprender inglês, aí ela vai aprender linguagem de programação, aí ela vai aprender o resto. É muito difícil você vir com isso num país em que não consegue entregar o básico na educação. Hoje a gente tem no Brasil, 50% das crianças são alfabetizadas na idade certa. que é o final do segundo ano, que é o que a gente considera. Então, assim, gente, 50% não tá alfabetizado.
Joice – Uma criança que vai pra escola sem estar alfabetizada, é como se ela estivesse aprendendo uma matemática numa outra língua. Imagina a gente aprendendo matemática em grego. A gente não ia conseguir aprender matemática, mas o problema não ia ser da matemática, ia ser do básico, do básico, porque a gente ainda não foi alfabetizado. Então, enquanto a gente não resolve esses problemas mais estruturais, é difícil falar de desenvolvimento de capital humano, capital intelectual, etc.
Desafios da geração de impacto sistêmico na educação e na liderança pública
Joice – A gente acha que é muito mais importante a gente apoiar o desenvolvimento da capacidade institucional dos governos do que a gente, como ONG, crescer e fazer as coisas por fora dos governos. O que a gente quer que os governos façam é que os governos desenvolvam as lideranças públicas e encontrem essas pessoas ali dentro, e não a gente fazendo isso através do terceiro setor, da sociedade civil. Então, a gente tá, uma parte bem maior do que a gente faz hoje é focado nisso.
Joice – Imagina que você é uma pessoa que tem muito dinheiro, você vai colocar, fazer sua ONG, fazer suas coisas e tal. Você vai pôr dinheiro em quê? Em coisas que você considera que são prioridades para a sociedade ou em coisas que você considera que você gosta muito. Vamos supor que você gosta muito de cachorrinhos. Então, você vai fazer um negócio que vai cuidar dos cachorrinhos que estão na rua e tudo mais
Joice – E se a gente não for falar de coisas mais complexas, sobre administração, sobre reforma administrativa ou, sei lá, pautas do meio ambiente e mudança climática, sabe? Qualquer pessoa que estiver individualmente tomando essa decisão, do meu ponto de vista, é uma pessoa que tem seus próprios vieses.
Joice – E o órgão que existe no mundo, que já foi criado pra olhar pra isso, é o governo, que tem os seus representantes ali. Seja porque a gente tem os representantes no legislativo, que deveria levar o que são as necessidades da população e conhecer essas necessidades a partir do convívio com a população e entendimento de uma região, seja o que a gente tem de inteligência no Executivo, que através da implementação das políticas públicas e do dia-a-dia do trabalho, tem dados e vivência pra também influenciar, e aí a gente tem essa coisa do Legislativo com Executivo, que a gente deveria chegar no que é melhor pra sociedade.
Joice – Eu dei a volta e aí eu voltei a acreditar na democracia, então, me considero até, assim, mais fortalecida por já ter feito esse questionamento antes. Então, eu tenho certeza que tem muitas ineficiências, como a troca de governo, por exemplo, isso traz uma ineficiência, mas na minha visão é uma ineficiência inerente à democracia, e eu tô disposta a pagar o custo dela. Isso é ótimo, tá tudo bem.
Não deixe de ouvir a entrevista na íntegra! Basta apertar o play lá no início ou acessar o episódio no Spotify.
Meu convite é, participe, participe do seu país. participe da vida em comunidade. Isso vai desde frequentar espaços públicos e não só privados, até participar em conselhos populares. Parece besteira isso, mas participar da reunião de condomínio, se você mora num condomínio, isso é entender o Brasil, é entender as pessoas, é participar da vida em sociedade, o ser humano, se alegra participando da vida em sociedade, isso faz parte da gente, e a gente poder compreender o outro, diminuir nossas barreiras, conversar, construir coisas juntos, é isso que faz a gente ir pra frente. Esse é meu convite.
– Joice Toyota