Natalia Brito
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Especializando em Direito Ambiental pela Puc-rio. Atua na Gerência de Mudanças Climáticas e Serviços Ecossistêmicos da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado de Goiás. Coordenadora do Núcleo de Advocacy, Ações e Parcerias da A Vida no Cerrado (AVINC) e Coordenadora de conteúdo de educação política da Quem te Representa.
Em colaboração com
Vitor Sena
Biólogo e mestre em Ecologia pela Universodade de Brasília. Tem o Cerrado como seu lar, objeto de estudo e de trabalho. Hoje, assessora em projetos de licenciamento ambiental federal e está como um dos coordenadores de advocacy da OSC A Vida no Cerrado. Além de atuar em diversas coalizões da sociedade civil, sempre com foco em cidadania ambiental, sustentabilidade e conservação socioambiental.
O que os prefeitos e vereadores podem fazer pelo meio ambiente e clima?
A Intensificação dos Eventos Climáticos: Um Chamado à Ação nas Eleições Municipais
À medida que os eventos climáticos extremos se tornam mais frequentes e intensos, suas ramificações afetam diretamente nossas vidas diárias. Desde o aumento das temperaturas que se tornam mais sufocantes ao impacto nos preços dos alimentos, nas contas de energia e meios de transporte, e até mesmo na escassez de água em determinadas épocas do ano, esses fenômenos exercem uma influência marcante em nosso bem-estar, saúde, desenvolvimento econômico e social.
O que antes era visto como uma preocupação para as gerações futuras, hoje é o nosso presente. Uma pesquisa do DataFolha de dezembro de 2023 mostrou que 89% dos brasileiros enfrentaram ondas de calor extremo e, pelo menos, metade testemunharam enchentes e alagamentos em suas cidades.
Em linhas gerais, é um reflexo dos planejamentos urbanos de nossas cidades, uma vez que cerca de metade da população com mais de 16 anos afirmaram viver em bairros com poucas árvores e sombras. E um ponto e aspecto relevante é que os impactos ambientais serão mais extremos nos centros urbanos em função de concentrar maior densidade de infraestruturas, população, atividades produtivas e, por conseguinte, elevadas temperaturas e emissões de GEE, prescrevendo, assim, crescentes custos diretos e indiretos.
Neste sentido, pode-se afirmar que está em curso uma dicotomia entre o novo paradigma climático, derivado do aquecimento global e a capacidade de funcionamento das estruturas dos centros urbanos, afetando, de maneira ampla, a qualidade de vida. As infraestruturas de serviços de utilidade pública, como energia elétrica, transporte e saneamento, foram construídas ao longo de décadas, com base em um determinado contexto, entretanto, como consequência do agravamento dos riscos climáticos, esses sistemas serão mais exigidos e impactados, resultando em uma incapacidade progressiva de equilíbrio entre a demanda e a oferta, com perda de qualidade desses serviços públicos.
O que irá exigir o aprimoramento das políticas públicas, demandar investimentos em redes inteligentes, impor novos procedimentos de operação, manutenção e, principalmente, integração urbana.
Apesar de ser uma pauta frequente nos noticiários e nas conversas de nossas vidas cotidianas, a pauta ambiental e climática é frequentemente ignorada nos debates de políticas municipais. Entender sobre as responsabilidades dos municípios brasileiros na implementação de políticas de proteção ambiental e de adaptação e mitigação climática, assim como suas limitações, é essencial para o debate e para uma escolha consciente dos nossos futuros representantes.
O enfrentamento aos impactos das mudanças do clima exige liderança, visão e comprometimento com medidas que promovam a resiliência das comunidades locais. Embora a aplicação da lei seja imprescindível, prefeitos e vereadores possuem o potencial e, sobretudo, a responsabilidade de ir além. Como cidadãos, cabe a nós elegermos candidatos que demonstrem comprometimento socioambiental, assim como exigir e fiscalizar ativamente a atuação dos nossos representantes. Mas afinal, o que devemos cobrar de nossos candidatos?
Qual a responsabilidade da gestão municipal na implementação de políticas de meio ambiente e clima?
Conforme estabelecido pela legislação ambiental, pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade, os municípios brasileiros detêm uma série de responsabilidades na formulação e implementação de políticas relacionadas ao meio ambiente e às questões climáticas.
Algumas das responsabilidades incluem:
- Arrecadar, administrar e aplicar recursos municipais:
É na elaboração das leis orçamentárias que os governantes fazem as escolhas políticas sobre quais necessidades públicas serão priorizadas e onde será gasto o dinheiro recebido. Sem uma gestão consistente das receitas e despesas públicas, em linha com metas específicas para intervenções transformadoras, não há implementação de políticas.
Uma das responsabilidades dos prefeitos e vereadores é a proposição de novas formas de arrecadação, como multas, taxas cobradas dos permissionários, penalidades impostas a obras irregulares e compensações financeiras, entre outras. Enquanto, o papel do gestor municipal é a administração financeira, o papel dos vereadores é fiscalizar o orçamento público municipal.
- Gestão de áreas protegidas:
Muitos municípios têm áreas de preservação ambiental, parques naturais e reservas ecológicas dentro de seus limites. Eles são responsáveis pela criação e por gerenciar essas áreas, garantindo sua preservação.As cidades estão a aquecer duas vezes mais rapidamente que a média global e é imperativo que ampliemos soluções para combater o perigoso calor urbano. As soluções baseadas na natureza (SbN) são um poderoso aliado para arrefecer as cidades, além de contribuírem com a Agenda 2030 e com o atendimento dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
Licenciamento ambiental:
Os municípios têm papel no licenciamento ambiental de atividades de impacto local, como construções, empreendimentos industriais, comércio e serviços que possam afetar o meio ambiente local e as comunidades.Fiscalização ambiental:
É responsabilidade dos municípios fiscalizar e aplicar as leis ambientais locais, garantindo o cumprimento das normas de proteção ambiental e combatendo práticas ilegais que causem danos ao meio ambiente e à saúde da população.
- Gestão de resíduos sólidos:
São responsáveis pela gestão dos resíduos sólidos produzidos em seu território, incluindo a coleta seletiva, a destinação final adequada e a implementação de políticas de reciclagem e reaproveitamento. As tomadas de decisões devem ser baseadas em ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social sob a premissa do desenvolvimento sustentável, integrando aos elementos da Economia Circular e aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).
- Educação ambiental:
A educação compreende os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida. Os municípios têm o papel de promover a conscientização ambiental entre os cidadãos, por meio de programas educacionais, campanhas de sensibilização e atividades de educação ambiental em escolas e comunidades. - Planejamento urbano sustentável:
Os municípios devem promover o desenvolvimento urbano que contemple o desenvolvimento justo e sustentável integrando aspectos ambientais em seus planos diretores, zoneamentos e políticas de uso do solo, com base em premissas fundamentais para o combate às desigualdades, a promoção dos direitos humanos, a participação social, a transparência e a preservação ambiental. - Adaptação às mudanças climáticas:
Com as mudanças do clima em curso, os municípios devem adotar ações que tenham o objetivo de moderar ou evitar danos gerados por ameaças climáticas, como chuvas intensas, secas prolongadas, ondas de calor, entre outros. A partir da preparação de avaliações de risco, desenvolvimento de sistemas de alerta preventivo ou de redes de segurança social, é possível reduzir a vulnerabilidade e exposição ou adotar estratégias de resiliência.
- Mitigação das emissões de gases de efeito estufa:
Os municípios também podem implementar medidas para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, por exemplo, promovendo o transporte público, incentivando o uso de energias renováveis e implementando políticas de eficiência energética. Além disso, a redução de emissões de GEE pode ser realizada através de uma série de políticas governamentais que utilizam instrumentos econômicos (por exemplo, subsídios, taxas, isenção de taxas e crédito), instrumentos regulatórios (por exemplo, padrões de desempenho mínimo, controle de emissão) e processos políticos (por exemplo, acordos voluntários, disseminação da informação, planejamento estratégico).
Conclusão
Assim, embora as discussões sobre políticas ambientais frequentemente se concentrem nos âmbitos estadual e federal, são os municípios que se encontram na vanguarda, lidando com questões ambientais cotidianas que afetam diretamente a qualidade de vida de seus habitantes e na sustentabilidade de suas comunidades.
Um dos desafios primordiais que os municípios confrontam reside na busca por um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental. Com frequência, políticas de desenvolvimento urbano e industrial podem desencadear processos de degradação ambiental, prejudicando a qualidade do ar, da água e do solo, bem como a biodiversidade local.
Portanto, é essencial que os governos municipais adotem abordagens integradas que fomentem o crescimento sustentável e a conservação do meio ambiente.
Incorporar essas agendas no processo decisório é parte integral do desenvolvimento sustentável, pois os seus esforços de agora podem auxiliar na redução dos riscos supervenientes. Somente através de um compromisso conjunto e ação coordenada em todos os níveis do governo e da sociedade civil, poderemos garantir a resiliência para as gerações presentes e futuras.