Políticas Públicas Educacionais, Boas Práticas e a Formação Continuada dos docentes - com Cláudia Costin
Uma conversa essencial sobre os desafios e oportunidades na educação, conduzida pela renomada especialista
Foto: Estadão
Professora Cláudia Costin
Porque a educação, no fim do dia, é uma grande conversação entre gerações.
Nesta entrevista exclusiva, exploramos a trajetória e as reflexões da professora Cláudia Costin, uma autoridade indiscutível no âmbito educacional.
Ao longo da conversa, Cláudia Costin compartilha sua visão sobre políticas públicas educacionais, destacando a importância de compreender o papel do Estado na organização da sociedade. Ela enfatiza a responsabilidade dos governantes em construir um legado consistente, evitando a destruição do trabalho anterior e garantindo a continuidade das melhorias.
Outro tema que entra na pauta é a atratividade da carreira de professor, salientando que a formação docente deve ser centrada não apenas na teoria, mas também na prática.
A entrevista revela o compromisso de Claudia Costin com a formação de professores e destaca sua atuação no Instituto Singularidades. Além disso, compartilha detalhes sobre o Instituto Salto, que busca identificar e escalar boas práticas educacionais em diferentes regiões do Brasil.
A seguir, destacamos alguns momentos que dão o tom da participação da professora no 1º #QTRcast:
Vivi: Bom, para começar, como eu mencionei no início, aqui a “Quem te Representa?” se propõe a dialogar com jovens que não necessariamente conhecem muito sobre políticas públicas e sobre educação, que é o tema principal que a gente vai tratar hoje. Então, eu queria que a senhora fizesse uma apresentação para um jovem que está começando a descobrir o que é política pública e o que é política de educação no Brasil.
Costin: O que acontece hoje com os estados, com o Estado ou os estados nacionais? A gente tem uma camada de servidores públicos ou funcionários públicos separados, Governos que se elegem assumem essa máquina para prestar serviços, ou seja, para, por um lado, receber os recursos da população na forma de impostos e direcionar para aquilo que aquela população pactuou que é necessário para criar um desenvolvimento, uma sociedade coesa, próspera,saudável,os valores que aquela sociedade tem. Então, quando a gente fala de políticas públicas, nós estamos falando em como é que a gente organiza isso que é necessário para a vida da população.
Costin: E muitas vezes a gente esquece que é isso. É como se o importante é aquele governo que foi eleito para aquele momento e que vai começar tudo de novo. Tudo que o antecessor fez estava errado, agora ele vai começar a se organizar. (…) E por que isso é importante para os jovens entenderem. Porque quem nós escolhermos como governantes, mais do que discutir em guerras ideológicas e isso, eu odeio esse, eu odeio aquele, não é como a torcida de futebol. (…) A gente tem que torcer para que a sociedade se estruture de forma que as políticas públicas e não as guerras ideológicas façam com que aquela sociedade de fato se torne desenvolvida, coesa no sentido de não ter desigualdades sociais, educacionais enormes, próspera, ou seja, continue crescendo e seja sustentável, que exista uma certa ética intergeracional. Ou seja, que cada geração não só não estrague a vida dos seus contemporâneos, mas não estrague a vida das futuras gerações. (…)
Desconfiem de líderes populistas, de um lado ou de outro lado, que não gostam de políticas públicas, que gostam de demonizar o adversário político ou fazer guerras com os seus adversários políticos em vez de governar?
Vivi: A senhora já esteve em diferentes espaços, né? E agora está atuando mais uma vez com educação e com política pública dentro da sociedade civil, com o Instituto Singularidades. Então, queria que falasse um pouquinho sobre a trajetória que a levou até aqui, de formação e de participação no setor público e como isso lhe traz hoje para o Singularidades
Costin: Vou tentar ser sucinta, que é quase impossível para uma professora. Bom, eu sou filha de imigrantes e de imigrantes que eram refugiados de guerras. Então, isso acabou me moldando muito. O que a gente traz de história de vida de quem nos antecedeu ajuda a constituir uma parte importante da nossa identidade.
No meu caso, eu tenho uma mãe que não terminou o que à época se chamava de ginásio, que hoje chama anos finais do Fundamental, mas que era obcecada por educação. Ela teria gostado muito de estudar e se tornou autodidata e ela falava sempre pra gente. Alguns de vocês que estão nos escutando provavelmente já ouviram dos seus pais também. Nunca se esqueça que a única coisa que ninguém pode roubar de vocês, ela dizia para os filhos, é o que vocês têm na cabeça. (…) Eu acho uma frase muito poderosa e que aumentou a responsabilidade minha e dos meus irmãos ao lidar com a no nosso próprio aprendizado. Então, de uma certa maneira, ela nos ensinou garra. O que é garra? Garra é uma combinação de esforço com paixão.
E eu comecei a minha vida profissional como professora de educação básica, trabalhando, quer dizer, tendo feito magistério e depois trabalhando durante o tempo de universidade com a educação de jovens e adultos. O meu pai tinha uma pequena empresa, e ele estava preparando o meu irmão mais velho para ser sucessor dele na empresa. E pouco antes de eu entrar no que hoje é o terceiro ano do ensino médio, o meu irmão faleceu num acidente de automóvel. E meu pai veio pedir para mim, será que você não pode estudar administração para me suceder na empresa? aquilo pra mim era o fim da picada.
Eu achava que trabalhar com empresa era coisa de burguês e não tinha nenhuma vontade. Eu queria simplesmente salvar o mundo, idealista e continuo sendo idealista, te sinto informada. Mas eu queria salvar o mundo, queria outras coisas.
Cada gestão faz uma parte do trabalho. O importante é não destruir o trabalho que seu antecessor fez e nem deixar de fazer a tua parte do legado. Então, esse conceito de legado, para mim, ficou muito claro e eu, como faço hoje mentoria de secretários estaduais e municipais de educação, eu passei a usar isso como uma ferramenta.
Costin: (…) Então eu fiz administração pública um pouco frustrada porque eu queria muito continuar no caminho da educação, mas eu descobri ao longo do meu curso que eu podia juntar o meu sonho com a oportunidade que me foi dada, que é pensar em política educacional. (…) E acabei também, depois, indo ser secretária de educação do município do Rio de Janeiro. Foi uma experiência riquíssima para mim. Muito desafiadora, porque é o município que mais tem escolas no Brasil, mais até do que São Paulo. Complexo, uma cidade muito desigual (…) Uma cidade que tem 155 escolas, por exemplo, dentro de áreas controladas pelo tráfico ou pelas milícias. Então, com desafios adicionais a que outras escolas têm. E sabendo que eu não ia poder deixá-las perfeitas, porque política pública é isso. É importante que o jovem entenda isso: Ninguém vai fazer a coisa ficar perfeita.
Costin: (…) Foi só na primeira década do século XXI, que nós universalizamos o acesso, ainda não a conclusão, no ensino fundamental. Então, nós tínhamos agendas importantes a concluir,junto com uma série de outras pessoas, participei da construção dessa agenda de acesso, de montar um sistema de avaliação para a gente não se auto-enganar. Educação tem que trabalhar (…) com dados(…)
Costin: E os desafios que já foram enfrentados e os que ainda não foram enfrentados? Nessas discussões ficou muito claro para mim que um desafio enorme é a atratividade da carreira de professor, o que quer dizer, salários, mas não quer dizer só salários, quer dizer salários, quer dizer evitar contratos fragmentados, (…) e também uma certa visão na opinião pública, uma visão forte de que professor é digno de pena, mas não de respeito e admiração profissional. Essas coisas precisavam ser enfrentadas junto com outra questão central, que tem a ver com o Singularidades, que é como é que eu formo o professor. (…)
A gente deveria olhar para a profissão como uma profissão digna de desejo. Eu quero transformar a vida de um grupo de alunos e é por isso que eu quero ser professor. E eu quero compartilhar meus saberes com essas pessoas.
Costin: Isso não quer dizer que o professor tem que ser uma pessoa só generosa. Ele tem que ter direito de ter orgulho profissional. E orgulho profissional quer dizer orgulho das suas práticas.Isso quer dizer também que a formação de professores tem que ser centrada não só na teoria, como prevalece no Brasil, (…) e também pensar em conectar com a prática. Vamos parar de ter vergonha de falar profissionalizante. Ninguém tem vergonha de dizer que a formação do médico tem que ser profissionalizante, ou do engenheiro. E professor parece que basta aprender a teoria; “eu vou ser professor de matemática”, basta eu dominar a matemática que eu, entre aspas, virou professor. Não, não vira não. Ser professora é um saber muito específico.
Costin: (…) Então, por que eu gostei do convite que recebi para assumir o Singularidades? Entre as instituições de ensino superior que trabalham com formação de professores já há 22 anos, eu admirava muito o trabalho do Instituto Singularidades, em condições desafiadoras, porque é uma instituição sem fins lucrativos, depende de doações que podem vir, pode demorar a vir, pode vir em valor insuficiente, aquela coisa das instituições que não visam lucro. O Singularidades sempre estabeleceu um diálogo entre teoria e prática. Antes de mim, não é? De novo. “Antes de mim era o inferno, daí eu cheguei e organizei tudo”. Não, não. Os meus antecessores fizeram do Singularidades o que ele é.
Costin: Quando eu recebi o convite, eu já tinha assumido um compromisso de assumir uma outra coisa, (…) que é o Instituto Salto, que está sendo criado, que é o centro que eu montei na Fundação Getúlio Vargas, junto com o Rafael Parente, junto com a Tássia, junto com a Teca e vários outros, pensando políticas educacionais.
Esse instituto, por uma série de razões, nós optamos por tirar da FGV e torná-lo independente, porque ele já ficou maduro para ser independente. Quando eu estava pensando no processo que eu recebi o convite do Instituto Singularidades, falei para o Rafael Parente, “vai lá que você consegue, eu posso ser do teu conselho, posso ajudar de outras maneiras, mas eu vou tentar ver se eu continuo o bom trabalho que já tinha sido feito no Instituto Singularidades de formação de professores”.
Vivi: A gente recebeu aqui a missão do Singularidades, acho legal compartilhar com quem vai escutar ou ler, que a missão é: formar professores e profissionais da educação capazes de inspirar e atuar com excelência com o propósito legítimo de transformar a educação no Brasil.
Então, realmente é sobre colocar os profissionais da educação no holofote e como protagonistas dessa educação que precisa ser transformada para além das grades, que ainda demanda muito recurso, muita infraestrutura, mas também demanda um novo olhar para esses profissionais e a partir desses profissionais.
Vivi: A senhora agrega muito nesse lugar, naturalmente. E trazendo um pouco para a questão do Instituto Salto, que vai ser lançado no dia 5 de dezembro, vai ter um evento, sei que a senhora está como presidente do Conselho. E queria saber como é a atuação do Instituto Salto e como esses dois institutos podem dialogar e contribuir em conjunto para essa transformação da educação.
Costin: Olha, o Instituto Salto, ele, num certo sentido, herda o legado do Centro de Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas, mas acrescenta algumas ideias interessantes. Uma delas, ela é fundamental se a gente quiser fugir, como eu disse, das narrativas paralisantes. Ou seja, o que o Brasil já está fazendo certo, mas localizadamente? Todo mundo fala do exemplo de Sobral, por exemplo: Sobral, de fato, estabeleceu uma alfabetização inicial e os anos iniciais do Fundamental que funcionam muito bem dentro da realidade brasileira. Com os professores reais, com os desafios de infraestrutura escolar reais que existem no Brasil. Como é que a gente torna isso parte da política pública educacional?
(…) O Salto, ele vai olhar para que boas práticas nós temos no país para além de Sobral. Então, por exemplo, Recife tem uma prática muito interessante de primeira infância. Algumas educacionais, outras de assistência social, outras de saúde, mas integradas, elas trabalham juntas. Como é que a gente faz para escalar essa boa prática, colocar no país todo? Ou ainda, para discutir algo que o Governo Federal já anunciou que vai fazer, como que eu faço para, aprendendo com o que Pernambuco fez no ensino médio, que foi colocar em tempo integral, reservar tempo na grade para o projeto de vida do aluno, protagonismo jovem, uma série de ações importantes.
Como é que a gente faz isso? Então, o Salto vem com uma prática que foi batizada de Laboratórios de Escalabilidade. A ideia não foi bolada dentro do Salto. Foi do Brookings Institution (…). Eles vêm desenvolvendo laboratórios de escalabilidade em várias partes do mundo e firmaram uma parceria com o Instituto Salto.
Quer ouvir a entrevista na íntegra? Disponível no Spotify.
Parabéns pela riquíssima entrevista da Prof. Cláudia Costin e pelas brilhantes colocações e ensinamentos.
Excelente trabalho da Quem te Representa?, que cada vez mais aumenta nossos conhecimentos e nos torna cidadãos melhores e atuantes.