Mulheres na política: representação ou representatividade?

Foto de Milene Bordini - mulher branca com cabelos curtos castanhos e óculos

Milene Bordini

Especialista em Comunicação Eleitoral e Marketing Político, Direito da Mulher, Direitos Humanos, Gestão Pública, Inteligência Socioemocional e Docência do Ensino Superior.  Mentora Política com formação pelo RenovaBR, Instituto Update, Ousadia Política, Elas no Poder, Movimento Elas na Política, Instituto Alziras e mais.

Mestra e Doutoranda em Ciência Política, tendo como tema de pesquisa as cotas eleitorais e sua influência na cultura política das eleitoras. 

Mulheres na política: representação ou representatividade?

Historicamente, as mulheres têm enfrentado barreiras significativas ao ingressar na arena política.

Desde restrições legais até normas sociais arraigadas, as mulheres  muitas vezes foram marginalizadas e sub-representadas nos espaços de tomada de decisão  política. No entanto, ao longo das últimas décadas, houve um movimento crescente para  aumentar a participação das mulheres na política em todo o mundo. Leis de igualdade de  gênero, cotas eleitorais e iniciativas de empoderamento têm desempenhado um papel  crucial na promoção da presença das mulheres em cargos políticos.

A participação das mulheres na política desempenha um papel crucial na  construção e fortalecimento da democracia. Quando as mulheres conseguem que suas vozes sejam ouvidas e atingem representação nos processos políticos, isso contribui para  uma democracia mais inclusiva, representativa e responsiva às necessidades e interesses  de toda a sociedade. A interseccionalidade de raça, gênero e religião amplifica ainda mais  a importância da representação feminina na política.

Mulheres negras, indígenas, de  diferentes religiões e orientações religiosas enfrentam múltiplas formas de discriminação  e desigualdade, o que torna crucial garantir sua presença e participação ativa nos espaços  políticos.

A inclusão dessas mulheres na política não apenas fortalece a representação de  gênero, mas também promove uma democracia verdadeiramente inclusiva e plural, capaz  de abordar e combater as diversas formas de discriminação e desigualdade presentes na  sociedade, trazendo uma real representatividade no âmbito político. Ao reconhecer e  valorizar as experiências e perspectivas únicas das mulheres em suas diversas  interseccionalidades, a política pode se tornar mais sensível e responsiva às complexas realidades enfrentadas por diferentes grupos dentro da sociedade, contribuindo para uma  governança mais justa, equitativa e democrática. 

O compromisso de promover e garantir os direitos das mulheres nos ordenamentos jurídico e político é eixo central da agenda feminista.

Dos pontos de vista prático e teórico essa agenda realça o problema da subordinação feminina. Desde o(s)  feminismo(s), a identificação da exclusão e da discriminação das mulheres ampliou o horizonte sobre o tema. Tal dinâmica sedimentou-se nas lutas pelo voto em séculos passados e desde os anos 1970 reverbera debates e ações contra os déficits da cidadania  feminina (Prá, 2014).

No que se referem às culturas políticas, as mulheres também compartilham a  arena política com os demais agentes, no entanto, a inserção feminina nesse âmbito  diferirá em relação a cada cultura política. No Brasil, diversos fatores têm dificultado a  entrada das mulheres na política, como por exemplo:

  • a persistência de uma cultura  patriarcal dominante na política;
  • a falta de recursos financeiros e o alto custo das  campanhas eleitorais;
  • a resistência dos partidos;
  • o clientelismo e patrimonialismo que  caracterizam o sistema político brasileiro (Cornwall, 2014).

A participação política das mulheres no Brasil tem evoluído significativamente  desde a transição para a democracia. Durante esse período, houve um aumento tanto na  participação das mulheres no processo eleitoral quanto na ocupação de cargos políticos  oficiais.

A presença de mulheres no Senado e na Câmara dos Deputados tem aumentado desde meados da década de 1980. Por exemplo, na Câmara dos Deputados, o número de  mulheres eleitas cresceu de oito em 1982 para 29 em 1998. Houve um aumento no  número de mulheres candidatas nas eleições, passando de 58 em 1982 para 352 em 1998.  Esse aumento foi impulsionado, em parte, pelas leis de cotas de gênero introduzidas em  1996. Mulheres carismáticas ocuparam cargos de destaque, como a Ministra da Fazenda  de Fernando Collor, Zélia Cardoso de Melo, que foi uma das figuras mais influentes na  cena econômica dos anos 1980.

Apesar dos avanços, ainda existem desafios enfrentados  pelas mulheres eleitas, como discriminação e a necessidade de provar sua competência  e trabalho árduo (Barros, 2023).

O movimento feminista tem formulado novas estratégias de ação para promover a participação das mulheres nas instâncias decisórias da democracia representativa (Araújo, 2000). Isso inclui a adoção de ações afirmativas, como cotas por gênero, visando  superar desigualdades históricas e garantir igualdade de oportunidades. De acordo com  Matos, Cypriano e Brito (2007), as ações afirmativas são um tipo de política focalizada,  temporária e que visa corrigir desigualdades de gênero, raça, classe social; e as cotas legislativas atuam na esfera política na tentativa de facilitar o acesso de grupos excluídos  às instâncias de poder.

O movimento feminista também defende a implementação da  paridade entre os gêneros nas instituições políticas, buscando uma representação equilibrada.

Além disso, esforços são feitos para ampliar o acesso das mulheres à política, incentivando sua participação em processos eleitorais, formação de lideranças e apoio a  candidaturas femininas em todos os níveis de governo. Essas novas estratégias de ação  formuladas pelo movimento feminista visam combater as barreiras e desigualdades de gênero que historicamente têm limitado a participação das mulheres nas instâncias  decisórias da democracia representativa, buscando assim promover uma maior  representação e inclusão das mulheres na política 

A implementação de cotas eleitorais de gênero apresenta diversos pontos que ressaltam sua importância.

Em primeiro lugar, elas promovem a igualdade de gênero ao  garantir uma representação mais equitativa nos órgãos legislativos, contribuindo para superar discriminações históricas. Além disso, as cotas de gênero empoderam as  mulheres, permitindo-lhes que suas vozes sejam ouvidas e uma participação ativa na  tomada de decisões políticas.

Essa medida também desafia a estrutura patriarcal ao  reconhecer a importância da participação feminina na política, promovendo uma  mudança de paradigma para uma sociedade mais inclusiva. Por fim, a presença de mulheres nos espaços de poder político assegura a representação das diversas vozes,  necessidades e perspectivas da sociedade, contribuindo para a formulação de políticas  mais abrangentes (Azevedo; Castro; Souza, 2020). 

É fundamental definir o conceito de representação para entendermos a  importância das cotas de gênero nas eleições, visto que uma representação eficaz requer não apenas a presença física de mulheres nos cargos políticos, mas também sua influência  substancial na formulação de políticas e na tomada de decisões. A representação política  não se limita apenas à presença numérica, mas também envolve a capacidade das  mulheres de expressar suas perspectivas e defender os interesses das comunidades que  representam. 

As mulheres enfrentam diversos desafios na busca por representação e representatividade política no Brasil, mesmo com a implementação das cotas eleitorais  de gênero (Azevedo; Castro; Souza, 2020). A presença de traços patriarcais na cultura política latino-americana e a sua predominância em relação à identidade de gênero incidem na efetividade das cotas para mulheres na política.

Tais traços vão estar presentes  em várias circunstâncias de aplicação do sistema de cotas de gênero e podem encontrar correspondência em costumes e normas informais, em práticas partidárias e seus graus de democratização, ou na dinâmica interna de cada agremiação política (Prá, 2014). 

Apesar  das cotas eleitorais, muitos partidos políticos ainda não apoiam de forma efetiva as candidaturas femininas, o que pode limitar as oportunidades das mulheres de concorrerem e serem eleitas. 

Durante suas campanhas eleitorais, as mulheres enfrentam ameaças, assédio e violência política de gênero, o que pode impactar negativamente sua  participação e representação.

O conceito de representação é um dos mais discutidos pela teoria política  moderna.

De acordo com Pitkin (2006), o conceito de representação é altamente  complexo e tem sido altamente abstrato. A representação é, em grande medida, um  fenômeno cultural e político, um fenômeno humano. As discussões sobre o modelo de  representação a ser adotado na construção das democracias contemporâneas, particularmente na América Latina, é um dos debates da atualidade no contexto da crise  dos partidos.

De acordo com Venturini e Villela (2016), apesar de formalmente todos terem igual direito a voto em uma democracia com sufrágio universal, diversos grupos não possuem representação nos parlamentos e, consequentemente, não têm suas  demandas ouvidas a contento.

Os modelos de representação política abrangem uma variedade de concepções  sobre como os representantes políticos devem agir em nome dos cidadãos. Em meio a  esses modelos, destaca-se o argumento de Iris Marion Young (2000), apresentado em  Inclusion and Democracy, que enfatiza a importância da inclusão e representação de  grupos diversos no processo democrático. 

Young argumenta que as desigualdades sociais,  econômicas e políticas podem criar um ciclo vicioso onde os mais poderosos utilizam a  democracia para perpetuar injustiças, excluindo assim os grupos marginalizados.  

No entanto, a autora defende que a democracia, quando inclusiva e igualitária,  tem o potencial de corrigir essas injustiças, pois permite que todos os membros da  sociedade influenciem as políticas públicas. Isso é relevante para as cotas de gênero nas  eleições e a cultura política das eleitoras, pois ressalta a necessidade de inclusão e  representação de grupos historicamente marginalizados, como as mulheres, para garantir  uma democracia verdadeiramente legítima e justa. A participação equitativa das mulheres  no processo político é fundamental para garantir que suas vozes e interesses sejam  considerados na formulação de políticas públicas, promovendo assim uma sociedade mais  igualitária e justa. 

A pouca representação da mulher na vida política e seu estado subordinado na  economia, na sociedade e na família provavelmente não mudarão, se não se expandir (e  muito) uma representação política efetivamente pluralista e se a participação das cidadãs na construção de políticas públicas permanecer limitada (Matos, 2011).

Entendemos, aqui, a diferença entre representação e representatividade.

Sendo representação quando uma pessoa representa um grupo de pessoas e, representatividade, representar politicamente os interesses de determinado grupo, classe social ou de um povo. A representatividade, ou a congruência entre as preferências dos cidadãos e dos  representantes políticos, desempenha um papel crucial na eficácia das políticas públicas.

Quando há uma alta congruência, ou seja, quando os representantes refletem fielmente as  opiniões e interesses dos eleitores, isso pode resultar em diversos benefícios para a  democracia e a governança (Carreirão, 2015):

Os cidadãos se sentem representados e têm confiança de que suas  vozes são ouvidas e consideradas na formulação de políticas públicas.

Os representantes políticos que estão alinhados com as preferências dos eleitores tendem a ser mais  responsivos às demandas da sociedade, o que pode resultar em políticas mais eficazes e  adequadas às necessidades reais da população.

Reduz o potencial de conflitos e insatisfação entre os cidadãos e o governo, promovendo  um ambiente mais harmonioso e cooperativo.

Quando as políticas públicas refletem as  preferências dos cidadãos, há uma maior probabilidade de que sejam implementadas de  forma eficiente e eficaz, pois contam com um maior apoio e engajamento da sociedade. Em contrapartida, a falta de congruência entre as preferências dos cidadãos e dos  representantes pode levar a um distanciamento entre o governo e a população, resultando  em descontentamento, desconfiança e até mesmo instabilidade política. 

Eleger mulheres não garante que a igualdade de direitos seja estabelecida ou que os temas necessários sejam discutidos, uma vez que nem todas as eleitas defendem as mesmas bandeiras.

Quando se fala em representatividade, é importante garantir que  mulheres diferentes umas das outras encontrem espaço para fazerem suas vozes serem  ouvidas. Os desafios enfrentados na representação política de minorias são diversos,  como aponta Young (2000) e incluem questões como a sub-representação, a falta de  diversidade nos órgãos de decisão, a discriminação e a exclusão de determinados grupos. Para superar esses desafios, algumas medidas podem ser adotadas.

Isso inclui a implementação de políticas de ação afirmativa que propiciem a representação de grupos  minoritários em instâncias deliberativas, listas de candidatos e convenções. Além disso,  é importante incentivar a diversidade de opiniões e experiências na tomada de decisões  democráticas, garantindo que diferentes perspectivas sejam consideradas. Outra estratégia eficaz é adotar esquemas de representação de grupos sociais específicos, como  conselhos corporativos, cadeiras parlamentares reservadas, regras para listas partidárias e  comissões.

Promover o diálogo e a inclusão de minorias nas discussões políticas também  é fundamental, garantindo que suas vozes sejam ouvidas e consideradas. Além disso,  investir em programas de conscientização e educação sobre a importância da  representação política de minorias e os desafios que enfrentam pode ajudar a construir uma sociedade mais inclusiva e diversificada. 

Essas medidas podem contribuir  significativamente para superar os desafios na representação política de minorias e  promover uma maior inclusão e diversidade nos processos decisórios. 

AZEVEDO, Mariana de Souza; CASTRO, Bianca Gomes da Silva Muylaert  Monteiro de; SOUZA, Frank Pavan de. Política para mulheres: uma análise sobre as  cotas eleitorais de gênero no Brasil. Interfaces Científicas, V.8 N.2 p. 227-239. Aracaju,  2020. 

BARROS, Marilene. Women and political participation in Brazil. Revista  Agon, vol.3 num. 7, 2023. 

CORNWALL, Andrea; COSTA, Ana Alice Alcantara. Conservative  modernization in Brazil: blocking local women’s political pathways to power. Vol.2,  2014. Disponível em: www.feminismos.neim.ufba.br, 2014. Acesso em 31/01/2024. 

MATOS, Marlise. A sub-representação política das mulheres na chave de sua  subteorização na ciência política. Mulheres, Poder e Política: a experiência do Brasil e  do Canadá. 2011. 

PITKIN, Hanna Fenichel. Representação: Palavras, instituições e idéias. Lua  Nova. São Paulo, V.67, p. 15-47, 2006. 

PRA, Jussara Reis. Mulheres, direitos políticos, gênero e feminismo. Cadernos  Pagu (43), julho-dezembro de 2014. 

VENTURINI, Anna C. & VILLELA, Renata R. A Inclusão de Mulheres no  Parlamento como Medida de Justiça Social: Análise Comparativa dos Sistemas de  Cotas do Brasil e da Bolívia. Revista Eletrônica de Ciência Política, vol. 7, n. 1, 2016. 

YOUNG, Iris Marion. Inclusion and Democracy. New York: Oxford University  Press, 2000.

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