Israel Batista: Uma Jornada de Compromisso com a Educação
Perspectivas sobre as Universidades, sobre o FUNDEB e sobre a atuação do Congresso Nacional
Israel Batista é professor e ex-deputado federal. Nesta entrevista, ele compartilha sua jornada de vida, marcada por sua infância no interior de Goiás, que o conduziu a sua trajetória educacional e o levou a se tornar uma figura de destaque na luta pela melhoria da educação no Brasil.
Em suas próprias palavras, Israel relembra com carinho sua infância em Anápolis, Goiás, onde cresceu em meio à natureza e à música, em uma família que valorizava a educação. Ele destaca a importância de sua mãe na sua formação acadêmica, que mesmo em meio às dificuldades financeiras, sempre incentivou seus filhos a estudarem.
Minha infância foi no interior de Goiás, numa cidade chamada Anápolis. Eu tive três irmãos, então somos quatro. Então a turma já estava feita. Tínhamos idades muito próximas, eu sou o mais velho entre os quatro. Foi uma infância com muita presença do meu pai, da minha mãe. Meu pai viajava a trabalho, quando ele voltava era sempre uma grande festa. Uma infância com muita natureza também. A gente, por morar no interior, tinha muita proximidade com cachoeiras, rios, com verde. Isso acho que marcou muito a minha infância.
Meu pai era muito animado, meu pai era muito musical também. Então, sempre tinha um violão, sempre tinha um piano, um teclado, uma gaita, e a gente estava sempre cantando. Foi uma infância bem divertida. Primeiro porque eram quatro irmãos, então não tem como não ser divertido. E também teve muita… tinha uma pressão muito grande pela escola, porque a minha mãe fazia a parte difícil do trabalho. Ela era que… ensinava e cobrava notas, era muito rigorosa. Então, a escola era um aspecto muito essencial na infância.
Tive bons amigos na escola, bons professores, era amigo dos professores, sempre foi uma característica minha. Enfim, lembro de todos com muito carinho. Acho que foi uma infância muito interessante.Eu gosto de me lembrar da minha infância. Me diverti muito. Muita música, muita natureza, muitos irmãos. E muita vida escolar intensa. Eu acho que era uma vida até estressante.
Sua experiência na UNB levou à criação da ABR-UNB
Sua chegada à Universidade de Brasília (UNB) marcou o início de uma nova fase em sua vida, onde ele se deparou com desafios e disparidades sociais. Essa percepção o impulsionou a fundar a Associação dos Alunos de Baixa Renda da UNB, visando representar e apoiar estudantes menos privilegiados.
Israel Batista: a entrada na universidade foi muito marcante, porque, na universidade, eu percebi que eu era pobre. Foi a primeira vez. Era muito elitista, elitizada, para ser exato, a Universidade Federal. Eu estudava numa turma em que os colegas iam de motorista para a sala de aula, porque era muito fora da minha realidade. E eram três filhos de governadores de estados brasileiros que estudavam comigo. Enfim, era uma elite. E ali eu percebi que eu morava num lugar de periferia, que era Samambaia, foi ali que eu descobri isso, que isso, pra mim, era o que era.
“E foi até engraçado, porque o professor marcou um dia pra gente fazer trabalho na casa de um colega, e um grupo de colegas perguntou se podia ser na minha casa, e eu falei, claro que sim, falei meu endereço. E quando eu falei meu endereço, uma das colegas soltou, sem querer, tadinho, E aí eu percebi isso.“
Israel Batista: E também não tinha amigos, não tinha colegas com a mesma trajetória, eram poucos. Eu acho que daí surgiu uma decisão coletiva, mas que eu participei muito ativamente, de fundar uma associação de representação de alunos de baixa renda na universidade. Então nasceu a ABR, Associação dos Alunos de Baixa Renda da UNB, que foi muito importante porque também era uma época em que as pessoas estavam se acostumando a usar o computador doméstico, o PC, que hoje a gente quase não usa mais. Então, os professores da universidade pediam trabalhos digitados e isso gerou a primeira revolta dos alunos pobres. Nós nos identificamos. Éramos poucos, realmente poucos, mas muito barulhentos. Então, a associação nasceu num protesto contra os trabalhos digitados em computador, porque nós não tínhamos. E a solução que a universidade encontrou – isso depois de um ataque à reitoria, né? Coração de estudante é meio rebelde, né? – foi fazer o primeiro laboratório de informática para alunos que precisassem.
Isso foi uma grande evolução, acho que a UNB, sempre acolheu. Quando a gente levava demanda do nosso jeito atrapalhado, ela acolhia. Não tenho a reclamar da universidade nesse sentido. Acho que a Universidade Federal Brasileira cumpriu um papel muito especial na minha vida. Então teve esse acolhimento dessas demandas. E aí outras lutas vieram. o almoço, o jantar na universidade, o restaurante universitário a preço para os estudantes de baixa renda, o transporte de algumas regiões administrativas, que aí vocês devem chamar de bairros, para a UNB, aqui em Brasília, regiões administrativas. (…) Então, eram lutas muito práticas. O que vai ter para comer? Iluminação do campus também…
Da Associação de Alunos de Baixa Renda vieram novos espaços
Uma das realizações mais significativas de Israel foi a criação de cursos comunitários e pré-vestibulares sociais, que proporcionaram oportunidades educacionais para jovens de baixa renda. Ele destaca a importância desses projetos na mudança da composição socioeconômica da UNB e no aumento das aprovações em vestibulares.
E, dessa associação, nasceu um projeto especial, que foram os cursinhos comunitários. A gente criou o primeiro desses cursinhos, ele cresceu bastante, se desdobrou em diversos projetos, Eu me tornei professor de História nesse cursinho, chamava-se ALUB. Alunos da UNB, essa era a intenção. Acabou se tornando vários projetos, inclusive uma empresa privada enorme, com um caráter social muito evidente, com uma política de preços extremamente acessível, que entrou na discussão pública sobre cotas, tanto raciais quanto para a escola pública, de maneira muito interessante.
Eu gosto muito de ter participado dessa associação e feito esse cursinho. Eu acho que foi aí que a composição socioeconômica da UNB começou a mudar, porque o cursinho realmente era responsável por metade das aprovações dos vestibulares antes da cota, porque ele era realmente imenso, ele estava em todos os lugares do Distrito Federal, eram alunos da UNB que davam aula. Isso tornou um projeto realmente grande.
Sua entrada na vida pública foi marcada por desafios e aprendizados, e se deu primeiramente pelo trabalho desenvolvido na UNB. Passando por diversos cargos e promovendo organização entre os estudantes, fazendo o processo de transição de forma natural, como ressalta no trecho a seguir:
Israel Batista: E, a partir desse projeto, fui convidado a entrar na vida pública. Me tornei deputado distrital. (…) Fui subsecretário de juventude, fui secretário de junto de trabalho, depois fui secretário de trabalho, depois assumi como deputado (…)Tudo começou na universidade, e dessa organização política.
A vida pública teve seus desafios
Em seu papel como homem público precisou lidar com os desafios da política, a arte do diálogo, especialmente ao lidar com questões polarizadas, como o debate sobre o voto impresso. Israel enfrentou perseguições e violências, mas em sua avaliação, permaneceu firme em sua defesa da democracia e das instituições.
Israel Batista: Falando sobre esse último mandato, que foi o terceiro mandato, o mandato na Câmara dos Deputados, eu era deputado federal. Acho que ele foi o maior desafio que eu enfrentei entre todos, porque havia um cenário de polarização e muita coisa que eu tinha aprendido eu precisava desaprender e eu achava que não devia desaprender. Era um mandato muito… Foi um momento político muito específico, que espero que não volte mais, porque era um momento de teste da democracia
“Acho que, quando participei da comissão do voto impresso, e que fui, junto com mais dois parlamentares, montar a estratégia para evitar um descredenciamento da urna eletrônica. E aí comecei a sofrer muita perseguição na rua, violência física, agressão na internet, espionagem e ataques orquestrados. Acho que foi muito difícil para mim ali. Foi um momento que me baqueou bastante. “
Israel Batista: Eu fui responsável por pensar a estratégia de evitar o debate técnico, porque eu tive a sacada na época, eu e outro parlamentar, o Arlindo Chinaglia, de que não adiantava a gente dar qualquer explicação técnica, porque havia uma intenção deliberada de descredenciar a urna. E se o voto impresso fosse aprovado e se o voto impresso não fosse aprovado, de qualquer forma haveria um questionamento. Então, a gente teve que tomar essa decisão. Então, não vamos dar o voto impresso. Esse voto impresso vai ajudar a tumultuar o processo eleitoral. Então, eu acho que foi quando eu me senti mais amedrontado, tive que fugir na rua, enfim.
E olha que eu tive muitos momentos difíceis, né? Regulamentação da Uber, a primeira do Brasil, fui eu que fiz. Foi um PL distrital aqui em Brasília. E aí fui perseguido por taxistas, tive carro arranhado, camisa rasgada, enfim, todo esse tipo de coisa eu já vivi, né? Mas o que eu vivi entre 19 e 22, 23, foi bem… foi muito…
O trabalho pela Educação
Como deputado, Israel trabalhou incansavelmente pela educação, lutando pela aprovação do novo FUNDEB e defendendo políticas baseadas em evidências. Ele destaca a importância de um Sistema Único de Educação, que distribua de forma equitativa as responsabilidades entre municípios, estados e governo federal.
Israel Batista: A gente sabia que não daria para avançar muito, então a gente decidiu avançar no que era mais importante, que era o novo FUNDEB. Isso era essencial. E a gente sabia que ia ter uma duríssima oposição por parte do governo, provavelmente. E eu sou feliz porque terminamos o mandato com o novo FUNDEB, muito mais robusto, maior, mais equitativo, mais equilibrado, mais justo. E derrotamos o governo [do ex-presidente Jair Bolsonaro]. É importante frisar isso. Houve orientação contrária da bancada governista.
Israel Batista: E conseguimos evitar também retrocessos que poderiam vir por conta do debate de costumes. O debate de costumes é divisor da sociedade, ele deve ser evitado, ele deve ser colocado na área técnica, você evita a todo custo o debate de costumes, porque ele é um debate que divide as pessoas sentimentalmente. Então, você corrói laços familiares.
E a gente tinha medo que a discussão migrasse para uma discussão sobre sexualidade, sobre Paulo Freire, sobre escola sem partido. A gente queria uma discussão sobre aumento da quantidade de matrículas, crise de aprendizagem, déficit na aprendizagem da matemática.
Atualmente, Israel atua como estrategista e articulador político do Todos pela Educação, uma organização dedicada a promover políticas públicas educacionais embasadas em evidências. Ele destaca a necessidade de enfrentar desafios como o novo ensino médio, onde o diálogo é fundamental, para que não exista retrocesso, sem se prender às pautas que não agregam valor ao processo educacional:
Israel Batista: Eu deixei a política eleitoral em 2023 e passei para a política de articulação e estratégia. E hoje eu atuo como estrategista e articulador político do Todos pela Educação. O Todos pela Educação é uma organização do terceiro setor, é uma organização apartidária, e ela busca promover promover políticas públicas baseadas em evidências. Então, o Todos pela Educação promove estudos, tanto autonomamente, ou seja, por si próprio, quanto em parcerias. Esses estudos seguem o maior rigor metodológico que a ciência exige. E a partir desses estudos metodologicamente testados, a gente faz propostas para prefeitos, governadores e para o Presidente da República. Também fazemos propostas para o Congresso Nacional, para as Assembleias Legislativas e para as Câmaras Municipais para a melhoria da educação.
“Por exemplo, o novo Fundeb, na época, ainda não era do Todos pela educação, mas ele é basicamente escrito com o apoio imenso de todos pela educação. A gente ajuda a escrever as leis, a gente ajuda a encontrar a melhor técnica, a gente vai atrás de estudos no Brasil e no mundo para dizer, olha, é melhor fazer assim do que fazer assim. Então, estou superfeliz, sabe? Estou muito honrado, é uma experiência… “
Israel Batista: Então, o Todos pela Educação sempre vai buscar ser muito… como eu posso dizer, imparcial no seu posicionamento. É claro que não existe imparcialidade, a gente entende isso, mas a gente busca evitar as paixões políticas mais afloradas. Justamente porque as soluções se encontram no diálogo, no meio do caminho, se encontram no acordo, as melhores soluções geralmente vêm daí, e se você baseia essas soluções numa boa pesquisa, é muito melhor. Então, estou muito feliz de trabalhar no Todos, porque a minha função é promover os estudos que a gente faz, e isso vira lei.
Não deixe de ouvir a entrevista na íntegra! Basta apertar o play lá no início ou acessar o episódio no Spotify.
Israel Batista: Eu não senti… diferença de impacto político entre exercer o mandato e exercer a articulação política numa instituição respeitada como todos. Porque, realmente, ele é muito ouvido e tem alguns críticos que a gente respeita demais. Toda crítica é bem-vinda, deve ser considerada.(…) não podemos permitir que o debate seja polarizado. É uma questão técnica.
Israel Batista: Novo ensino médio não pode ser tratado com ‘sim’ ou ‘não’. A gente não pode dizer simplesmente revoga. Não é assim que funciona. Precisa ser tratado com a complexidade que o tema assume. Não adianta a gente dar soluções simples para problemas que são complexos. Então, essa, para nós, é uma prioridade.
Não dá para revogar o novo ensino médio e levá-lo de volta para o que era antes, porque era um modelo fracassado. Não dá para manter do jeito que está, porque ele não foi bem implementado.